Ser escritor é viver duas vidas pela metade, a do mundo de
fora e a do mundo de dentro. Ser escritor é cultivar cacoetes, pequenos rituais
que adiam a hora terrível de começar a escrever. Ser escritor é ficar das 11 da
noite às 2 da manhã escrevendo o melhor conto de sua vida, perder o arquivo sem
ter salvo, desesperar-se, sentar de novo, refazer tudo até as 5, e perceber que
ficou melhor do que antes. Ser escritor é abrir cada revista ou suplemento
literário e passar os olhos de revoada pelas matérias em busca do próprio nome.
Ser escritor não é padecer no paraíso, é divertir-se no inferno. Ser escritor é
transformar água em vinho.
Ser escritor é ler parando o tempo todo para se perguntar:
“Por que achei esta frase boa? Por que achei esta outra frase ruim?”. Ser
escritor é anotar dez mil idéias sabendo que somente uma dúzia delas se
transformará em texto, mas anotar mesmo assim. Ser escritor é ver a própria
alma se alternando entre gargalos e inundações. Ser escritor é escrever uma
frase crucial, mas saber que uma palavra ali pode ser substituída por outra
melhor, e até achar pode levar meses. Ser escritor é ir para uma Feira do Livro
levando 30 exemplares de livros seus e trocar por 30 livros de colegas para
trazer na volta.
Ser escritor é ter que ao mesmo tempo conservar o passado e
conversar com o futuro. Ser escritor é ver suas melhores frases lhe ocorrerem
quando está no chuveiro, ou em pé no metrô, ou no meio de uma sessão no cinema,
onde quer que seja impossível anotá-las. Ser escritor é ter que pagar o aluguel
com a venda de manifestos dirigidos à posteridade. Ser escritor é passar três
dias sem conseguir escrever porque chegou na cena em que um personagem vai ter
que morrer para sempre. Ser escritor é passar o dia respondendo “sim... tudo
bem... claro que pode... por mim está OK...” às coisas que a família inteira
lhe diz.