domingo, 14 de novembro de 2010

2401) A receita da felicidade (14.11.2010)




O inesquecível Odair José gravou, em tempos passados, uma canção que tinha este refrão docemente existencialista: “Felicidade / não existe; / o que existe na vida / são momentos felizes”.

Antoine Roquentin, o melancólico protagonista de A Náusea, não teria verbalizado melhor a sofrida epifania que o mantém vivo ao final do romance, escutando uma negra americana cantar: “Some of these days / you’ll miss me, honey”.

O que é a felicidade? Uma alegria sem sobressaltos, sem alterações, sem modulações? Uma euforia momentânea cujo disco engancha e ficamos a senti-la forever? Um estado sorridente, álacre, de-bem-com-a-vida, esfuziante de adjetivos, como a dos personagens de propagandas de refrigerantes e de creme dental? Mistério.

Num texto no New York Times (http://tinyurl.com/2eqhzqa), David Sosa propõe, citando um livro de Robert Nozick, a seguinte experiência (não, não é inspirada em Matrix; o livro precede o filme, pois é de 1974).

 Digamos que é construída uma máquina onde você pode se plugar e ter (virtualmente) qualquer sensação ou situação que desejar. Estímulos neuropsicológicos podem lhe dar uma impressão 100% real de estar escrevendo um livro, fazendo sexo, conversando com amigos, fazendo coisas interessantes. Só que você estaria de fato, o tempo inteiro, flutuando num tanque, com eletrodos afixados ao seu cérebro. A pergunta é: Você acha que isso é a felicidade? Você gostaria de viver assim?

Suponho (agora sou eu quem fala) que metade das pessoas diria: Sim, por que não? Melhor viver assim, numa Felicidade Virtual, do que viver pegando trânsito, pagando contas, ralando no dia-a-dia. Beleza; entendo perfeitamente que prefiram essa tranquilidade, essa utopia cibernética, esse paraíso artificial. Mas outra metade diria: “Não, prefiro viver como vivo, e me arriscar a não ser feliz nunca, ou ser apenas de vez em quando, como Odair José”.

Estas pessoas talvez se identifiquem com o que David Sosa examina em seu artigo. Ele diz, em suma, que a felicidade não é individual, é coletiva, ou pelo menos é socialmente interligada. Ser feliz não é apenas sentir-se bem consigo mesmo, é sentir-se bem de uma maneira que dependa das consciências alheias. Não basta ser feliz, é preciso que nossa felicidade seja testemunhada e de certa forma compartilhada pelos outros.

Diz ele:

“Quando nos recusamos a nos plugar nessa máquina, que nos proporciona tais experiências artificiais, exprimimos nossa crença profunda de que o que obtemos de uma máquina não é a coisa mais valiosa que podemos obter; não é o que queremos de um modo mais profundo, não importa o que possamos pensar quando estamos plugados nela. A vida nessa máquina não é a obtenção do que buscamos quando falamos numa vida feliz. Existe uma diferença crucial entre ter um amigo e ter a experiência artificial de ter um amigo. Existe uma importância entre escrever um romance e ter a experiência artificial de escrever um romance”.