sexta-feira, 6 de março de 2015

3755) "Trovão Tropical" (7.3.2015)



Este filme dirigido por Ben Stiller (Tropic Thunder, 2008) parece se perder um pouco pelo meio do caminho, ou talvez seja só impressão, porque ele descreve um filme de guerra no Vietnam cuja filmagem se perde no meio do caminho. O filme é uma comédia, uma gozação com essa equipe de atores vaidosos, prima-donas, competitivos, amalucados, principiantes, todos vestidos de soldado e reclamando do desconforto. E, depois de entregues a si mesmos, demonstrando uma persistência notável e uma imensa sorte.

O gancho do filme, a sua idéia original, é a de que o diretor, para dar realismo às filmagens, leva seu elenco, vestido para combater os vietcongs, para dentro da mata.  Diz que continuem interpretando o tempo todo, porque há câmaras e microfones espalhados pelo trajeto que deverão seguir.  Essa era a intenção, de fato, mas os vietcongs se antecipam, cercam o pelotão, veem o diretor pisar numa mina e voar em pedaços.  Um dos soldados olha aquilo e diz; “Puxa vida, o pessoal dos efeitos especiais está se superando.”  E o filme vira o confronto entre um grupo que está guerreando pra valer (os vietcongs, que na verdade são traficantes de heroína) e os atores-vestidos-de-soldado, que ainda acham que estão num filme.

Trovão Tropical tem uma porção de piadas menores bem encaixadas, numerosas cenas de paródia, pastiche, homenagens ou meras citações de outros filmes.  Os soldados estão na selva, combatendo vietcongs, mas falam o tempo todo sobre fofocas de Hollywood, se Fulano devia ganhar o prêmio ganho por Sicrano, boatos de bastidores e de filmagens. O personagem de Robert Downey Jr. se pinta de preto para interpretar um negro; diz ele que quando interpretou Neil Armstrong, foi encontrado uma vez num beco, de madrugada, querendo reentrar na atmosfera da Terra dentro de uma caixa.  O de Jack Black é viciado em heroína e cai em plena crise de abstinência.

É um filme curioso este, que consegue manter um mínimo de verossimilhança numa batalha entre atores e guerrilheiros de verdade, porque disparam-se milhares de tiros e as explosões são muitas, e ainda assim sabemos que nada de muito grave vai acontecer.  E todas essas cenas de selva têm contraponto ao mostrar as cenas de Hollywood, nos escritórios do produtor do filme (Tom Cruise) e do agente (Matthew McConaughey) do ator principal (Ben Stiller).  Como sátira ao cinema de ação e ao sistema de produção de Hollywood, tem sem dúvida uma grande contribuição de Ben Stiller (idealizador, produtor, diretor, ator principal e co-roteirista), um comediante nem sempre bem aproveitado mas que aqui, pelo menos, parece que conseguiu fazer o que queria.



3754) Syd Field falou (6.3.2015)



Ele é o deus-pequenino das oficinas de roteiro, e tem uma fórmula mágica pra fazer um filme dar certo. Syd Field já veio ao Brasil trocentas vezes, e espalha pelo mundo sua mensagem com a fé e a euforia de quem descobriu o universo.  Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.  Discordo da faceta engessadora e bitolada da sua teoria de que todo filme tem que ter três atos, todo ato precisa ser encerrado com uma cena de tal ou tal tipo (que ele chama “pinça”, “ponto de virada”, sei lá mais o que).  Por que combato? A fórmula não funciona? Ah, funciona, sim.  Para algum tipo de filme.  Querer impor essa fórmula em todo filme é como se Leonardo da Vinci fosse dar aulas de pintura e dissesse: “Todo quadro tem que mostrar uma mulher sentada, com as mãos pousadas no colo, e sorrindo.  São os três elementos básicos da pintura.”

Mas Field, é claro, dá muitos conselhos úteis.  Alguns passam meio despercebidos.  Por exemplo, em Como resolver problemas de roteiro (Ed. Objetiva, 2002) ele diz: “A informação visual que recebemos é cumulativa.”  Ou seja: não temos que mostrar tudo de uma vez só, mas tentar fazer com que cada plano mostre um pedaço a mais da ação ou do ambiente.  Uma das coisas que a narrativa do cinema conquistou com grande esforço foi a capacidade de ajudar o público a visualizar um complexo ambiente interno (uma casa com muitos corredores, salas, etc.) com alguns poucos planos, de modo a que o espectador perceba como estão em relação um ao outro. 

Se a informação faz sentido para o público, é possível encadear os planos numa certa relação: “eles passaram do terraço para o salão... essa escadaria leva ao primeiro andar... esse terraço fica do outro lado da casa, voltado para aquele pomar...”  Às vezes um plano parece desnecessário (uma pessoa sai de um quarto com um candelabro, segue pelo corredor, vira à esquerda) mas ele mostra a que distância e em que direção ficam os quartos de A, B ou C.  O espectador tem que acompanhar os diálogos, entender a história, conhecer os personagens, e também quer entender o espaço onde a ação acontece.

“Encontrar formas de expandir o roteiro visualmente.  Atenção aos detalhes da cena que podem permitir um close, um movimento, um corte brusco, um plano de detalhe.”  Cada avanço ou recuo da câmara, cada mudança de luz amplia o espaço do filme. Um quarto na penumbra.  Um homem deitado. Uma mulher entra, vai direto à janela, abre de par em par, chama o homem com alegria para ver alguma coisa.  Ele levanta, os dois debruçam na janela, ficam tagarelando, mas a luz da janela revelou uma terceira coisa que é agora tudo que o espectador vê, e que os dois não percebem.