Uma vez,
num programa de debates, alguém me perguntou por que eu não acreditava em
Astrologia, e eu fui forçado a dizer que nem na Astronomia eu acredito muito.
Aceito provisoriamente, como aceito qualquer teoria verossímil que me oferecem.
Até já escrevi
em algum lugar: “Astrologia é a arte de
adivinhar o futuro dos astros e estrelas da televisão”.
Quando
falei que não acredito na Astronomia não é porque questione suas premissas, é
porque não perco nunca de vista certas limitações interpretativas de cada
linguagem.
Meu pai
tinha um livrinho atarracado, o Dicionário
da Fábula, de Chompré, uma profusa descrição dos mitos greco-romanos. Me
fascinava sempre o fato de cada deus daqueles ter duas encarnações, uma na
Grécia e outra em Roma.
Zeus
virava Júpiter, Ares virava Marte, Hera virava Juno e assim por diante.
Eu
conheci primeiro os planetas, depois a mitologia. A palavra Júpiter não me
lembra um homem barbudo sentado num trono: me lembra uma massa de gás
turbilhonante de encontro a um vácuo estrelado.
Uma vez
comecei a imaginar um universo alternativo onde os planetas do Sistema Solar
são os mesmos, mas em sua versão grega. Em vez de Mercúrio, Vênus, Terra,
Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão, seriam, pela ordem: Hermes,
Afrodite, Gaia, Ares, Zeus, Cronos, Urano, Poseidon e Hades.
(Ao que
parece, Urano tem o mesmo nome nas duas culturas.)
A Astrologia
pega esse universo de coisas bem concretas e palpáveis, como um planeta, e os
transforma em símbolos fugidios de uma fatalidade misteriosa e indecifrável.
Influências boas e más, transições bruscas ou administráveis, todo um
repertório de dramas e de almas e de destinos e de livres arbítrios.
Cada um
de nós poderia criar uma astrologia própria, interpretando de alguma outra
forma os dados crus da Astronomia. Pesquisando para a listagem acima, acabei
sendo informado de que o trecho central do nosso Sistema Solar serve como uma
espécie de árvore genealógica dos deuses: Marte é filho de Júpiter, que por sua
vez é filho de Saturno, o qual é filho de Urano. Ao que parece, os nomes foram
postos nesta ordem, com esta intenção.
Os
signos têm essa simetria de doze que é uma coisa hipnótica. Dizem que o que há
de mágico com o número 12 é o fato de ele se decompor e recompor com
facilidade, em grupos de 2, de 3, de 4 ou de 6.
Qualquer estrutura ele se encaixa. Foi pensando nisso que escrevi muitos
anos atrás um poema intitulado “Navegador”, que faz menção à “décima-terceira
janela hexagonal do Universo”.
Os
signos do Zodíaco têm a mesma função das cartas do Tarô ou das linhas do
I-Ching. Eles não determinam nossa vida. Nada do que é nosso está “escrito nas
estrelas”, nem nas cartas, nem nos búzios, ou seja lá no que for. São
projeções: símbolos em aberto onde projetamos nossas interpretações num dado
momento.
Um
horóscopo é mais parecido com uma carta de Rorschach dos testes psicológicos do
que com um mapa planetário. Vemos ali o que está dentro de nós, não o que está
lá fora.
Dizer
que Fulano de Tal é assim ou assado porque é virginiano ou aquariano é o mesmo
que dizer que a pessoa é assim porque é de Oxóssi ou de Iansã. Existem
arquétipos, e nós, porque somos humanos e crescemos dentro das culturas
humanas, acabamos desenvolvendo características que correspondem a determinada
faixa de uma lista de arquétipos que pode ser o Zodíaco, o Candomblé, o Tarô,
etc.
Os
signos não são realidade concretas, são projeções nossas. Tal como as
constelações – que na verdade não existem, o que existe é um certo número de
estrelas isoladas e distantes, sem nenhuma relação entre si, mas que o ponto de
vista da Terra enxerga de maneira agrupada. E acaba vendo nelas uma cruz, um
escorpião, um caçador...
O que
existe de fato (e existe culturalmente, não fisicamente) são situações de vida
e perfis de pessoa. Povos diferentes percebem esses tipos recorrentes e lhes
dão nomes, personificações, e acabam criando mitologias inteiras, épicos
entrecruzados que são uma das formas mais interessantes de literatura.
Achar que
um astrólogo é necessariamente um charlatão é tão errado quanto pensar que ele
está enunciando verdades científicas, concretas, que independem da consciência
de quem interpreta e de quem ouve a interpretação.
A
mitologia é uma literatura fantástica coletiva, cuja eficácia e poder atrator
repousa no fato de que lida com tipos e situações presentes na vida real. Os
signos não influem na minha vida, mas as interpretações que eu e um astrólogo
podemos extrair deles, quando dialogamos, influi, sim, e muito.
Como diz
a sabedoria popular, “feitiço bom é aquele que pega em quem não acredita”. Tudo
depende do acreditar, do incorporar à própria consciência a fabulação criada
por um “interpretador” a partir de uma carta de baralho ou da proximidade
aleatória de algumas estrelas.