(desenho de Saul Steinberg)
Há um episódio, muito recontado, sobre Graciliano Ramos, que estava revisando um número da revista “Cultura Política” e deparou-se com um texto que dizia algo como: “Precisamos destacar, outrossim, a importância de tal e tal coisa...” Graciliano parou, releu, mordeu a ponta do lápis, aí riscou a palavra, dizendo: “Outrossim é a p. que p.” Estava coberto de razão. “Outrossim” é horroroso. Eu só não digo que tenho ojeriza a esta palavra porque detesto, com a mesma intensidade, a palavra “ojeriza”. Por que? Não sei, e admito que é mero preconceito, e recorro a equivalentes aproximados como “fobia”, “antipatia”, “aversão”.
Certas palavras são antipáticas porque são pretensiosas e vazias. “Ufanar-se”, no sentido de orgulhar-se: “Ufano-me do meu país, porque é o melhor país do mundo...” Palavras assim eu risco de pincel-atômico. “Exprobrar” é outra: “Estamos aqui para exprobrar este comportamento inaceitável...” Diga-se “condenar”, “reprovar”, qualquer coisa, menos isso. Outra que não suporto é “consentâneo”: “Um cidadão precisa ter um comportamento consentâneo com as normas morais e éticas...” Diga-se “de acordo com”, diga-se “em harmonia com”, “adequado a”, qualquer coisa, meus amigos. Menos isso.
O linguajar jurídico (desculpem, caros advogados) está cheio dessas palavras pomposas, que funcionam, no interior da classe, como sinalizadores de prestígio intelectual. Usá-las dá prestígio, porque dá a falsa impressão de que o cara é inteligente. Nada tenho contra o jargão técnico de uma profissão (palavras únicas, específicas, insubstituíveis); minha birra é com o palavreado oco e cheio de pose com que os redatores e oradores ficam se pavoneando diante uns dos outros, fingindo uma cultura verbal que na verdade não possuem, porque estão se limitando a repassar os clichês que os pavões da geração anterior lhes repassaram.
Recue, amigo, diante de quem usa o tempo inteiro palavras como “aviltar”, “conspurcar”. É um moralista cheio de retórica, e Deus me livre de abrir a tampa da alma de um desses sujeitos e olhar lá dentro. Já aprendi que quanto mais grandiloqüentemente moralista é o discurso de um cara, mais coisas ele está tentando varrer para baixo desse florido tapete.
Quem diz palavras desse tipo procura fazer com que elas funcionem como senhas. O sujeito as diz para ser tido como honesto e ser admitido neste seletíssimo clube (tão seleto que vive às moscas). São palavras que, na economia do vernáculo, custam os olhos da cara para adquirir. Nossa memória racial as associa a tribunos inconspurcáveis como Rui Barbosa ou Joaquim Nabuco. Lançado mão do vocabulário desses ilustres figurões, que Deus os tenha, o sacripanta de hoje tenta, por mimetismo verbal, assemelhar-se a eles, esconder-se à sua sombra, pegar carona nas suas imunidades parlamentares e oratórias. Desconfiem dos Gôngoras da tribuna, porque como regra geral não passam de Tartufos nos bastidores.