(a última foto dele)
Minha primeira imagem de José Wilker é ainda uma das mais
fortes: o Tiradentes que ele (então um ator jovem e desconhecido) interpretou
no filme Os Inconfidentes de Joaquim Pedro, em 1971. Um Tiradentes sem barba, intenso, vibrante. O
filme é um dos melhores filmes políticos daqueles anos difíceis, e isto ajudou
a marcar na memória a presença do ator.
Depois vieram papéis clássicos, de grande sucesso, em O Homem da Capa
Preta (um Tenório Cavalcanti rude, irascível, imprevisível) , Dona Flor e
seus dois maridos (Vadinho das candongas, o malandro arquetípico, e nu ainda
por cima), além das novelas que o consagraram, como Roque Santeiro, que juntamente
com Vadinho deve ser seu personagem mais famoso, o que mais ficou na memória do
público. Acho que meu preferido é o Lorde Cigano do Bye bye Brasil de Cacá
Diegues: sardônico, espertalhão, naïf, mambembe, imperturbável, é um dos
grandes personagens picarescos do nosso cinema.
Wilker era um ator cerebral, uma explosão contida em cada
segundo de gestos precisos, voz cortante, esgares impagáveis. O excesso de exposição na TV o fez, a partir
de certa altura da carreira, recorrer ao piloto automático que acabou sendo a
salvação-da-lavoura de tantos atores talentosos de sua geração. Não é fácil um
ator de verdade, com densa formação teatral, trocar frases com rapazes e moças cujo
talento mal dá para um comercial enaltecendo a fórmula de um dentifrício. A TV
brasileira é um pouco como o filme de FC norte-americano, um recorde de desperdício
de dinheiro e de talento por minuto gravado. Wilker fez personagens caricatos, com
falas constrangedoras, mas ele gravava como quem não está nem aí. Devia considerar o salário uma espécie de
indenização por mau uso do seu tempo de vida, e às vezes parecia que estava
fazendo um pastiche de John Malkovich para ganhar uma aposta contra meia dúzia
de amigos. Por sorte, seu último papel marcante, em Gabriela (2012) trouxe de
volta algo do sarcasmo e do ar sobranceiro que ele dominava tão bem.