sexta-feira, 14 de outubro de 2011

2687) Canto Fúnebre sem Música (14.10.2011)





(Der müde Tod, de Fritz Lang)

Quando perdemos um amigo, ou alguém que mesmo não conhecendo pessoalmente admirávamos à distância, temos aquela angústia de querer dizer um monte de coisas e saber que não temos palavras. As palavras existem. Estão à nossa espera. Nós é que não conseguimos achá-las. (Como se sabe, todas as palavras de Vidas Secas ou do Claro Enigma estão no dicionário. O segredo é colocá-las na ordem certa). A poesia lírica, que fala dos sentimentos, é uma revelação de nós mesmos quando nos justapomos ao sentimento do poeta. Dizemos, ao ler o poema lírico: “Eu também sinto assim”; e às vezes: “Sei que de agora em diante vou sentir assim”.

Todos nós sentimos, na morte de alguém, não apenas a dor da nossa perda pessoal, mas a perda coletiva de todos, o desperdício de que uma pessoa como aquela deixe de existir. A minha perda pessoal (nunca mais vou ver Fulana, nunca mais vou conversar com Fulano) é multiplicada pelas perdas de todos; porque aquela pessoa foi única para cada um. Multiplicou-se em muitas ao logo da vida, tendo com cada um de nós uma relação única e irrepetível. Ao morrer, multiplicou a perda.

Em momentos assim, um dos primeiros textos que me vêm à mente é o poema abaixo, “Dirge Without Music”, da americana Edna St. Vincent Millay (1892-1950). (Quem quiser conferir o original, está aqui: http://bit.ly/aCLrnY). Entre tantos poemas de resignação que há por aí, o dela é de uma serena recusa. Exprime o amor à vida desta poetisa que um dia disse ser capaz de “tocar uma centena de flores, e não colher nenhuma”. Aqui vai, tentando manter mais o sentido do que a rima.

“Não me conformo em ver os corações apaixonados sendo trancafiados no chão duro. 
É assim, e vai ser assim, porque assim tem sido desde tempos imemoriais. 
Para dentro da escuridão eles deslizam, os sábios e os adoráveis. Coroados 
de lírios e de louros eles vão; mas eu não me conformo.

“Amantes e pensadores, todos, todos para dentro da terra! 
Misturem-se com o pó indiscriminado e mudo! 
Um fragmento do que vocês sentiram, do que souberam, 
uma fórmula, uma frase vai ficar – mas o melhor se perdeu.

“As respostas rápidas e espertas, o olhar honesto, o riso, o amor, 
tudo isto foi embora. Foi alimentar as rosas. Tão elegantes e sinuosas 
são as flores. Tão perfumadas quando brotam. Eu sei. Mas não concordo. 
 A luz em teus olhos era mais preciosa do que todas as rosas do mundo.

“Descendo, descendo... rumo à escuridão do túmulo. 
Suavemente eles se vão, os belos, os ternos, os afetuosos. 
Discretamente eles vão, os inteligentes, os espirituosos, os valentes. 
Eu sei. Mas eu não concordo. E não vou me conformar.”



Aqui, o texto original:

DIRGE WITHOUT MUSIC

I am not resigned to the shutting away of loving hearts in the hard ground.
So it is, and so it will be, for so it has been, time out of mind:
Into the darkness they go, the wise and the lovely.  Crowned
With lilies and with laurel they go; but I am not resigned.

Lovers and thinkers, into the earth with you.
Be one with the dull, the indiscriminate dust.
A fragment of what you felt, of what you knew,
A formula, a phrase remains,—but the best is lost.

The answers quick and keen, the honest look, the laughter, the love,—
They are gone.  They are gone to feed the roses.  Elegant and curled
Is the blossom.  Fragrant is the blossom.  I know.  But I do not approve.
More precious was the light in your eyes than all the roses in the world.

Down, down, down into the darkness of the grave
Gently they go, the beautiful, the tender, the kind;
Quietly they go, the intelligent, the witty, the brave.
I know.  But I do not approve.  And I am not resigned.