(xilo: Lynd Ward, Prelude to a Million Years)
Uma rua deserta, à noite, com casas altas e estreitas, latas
de lixo amontoadas à entrada dos becos.
Círculos de luz formados pela iluminação dos postes. No meio da rua, um homem de chapéu e
sobretudo, com as mãos enfiadas nos bolsos, olha para o andar superior de uma
das casas. Na janela, o vidro está
rachado, e uma linha ziguezagueante corre em diagonal sobre ele; por trás vê-se
o rosto de uma mulher que olha para rua a meia distância, evitando ser
percebida. Ponto de vista da mulher
através do vidro: a linha em ziguezague corta obliquamente o corpo do
homem. Um trovão ressoa; vê-se um raio
ziguezagueando no espaço. O homem caído,
as roupas fumegantes. A mulher abrindo a
janela, o rosto contraído de susto e terror.
O rosto da mulher numa porta entreaberta num corredor, uma
faixa de luz que se projeta para fora, iluminando uma escada que desce. A mulher ajoelhada junto ao corpo do homem
caído na rua. Ela mexe no bolso interno
do paletó dele, tira dali um retângulo de papel com bordas serrilhadas: é uma
foto, da qual só vemos o verso. Com a
foto na mão ela fica de pé, olha em volta.
Portas e janelas se abrem, atraídas pelo barulho. A mulher corre. Dois fachos paralelos de luz surgem na
esquina. Um carro negro para, junto do
corpo caído do homem. A mulher, sem
poder voltar para a porta de onde saiu, esconde-se no recesso de um
portal. Descem os vultos de três homens,
e arrastam o corpo caído para dentro do carro, que parte em disparada. Na rua vazia, a mulher aproxima-se do local
onde o homem havia caído. Ajoelha-se, de cabeça baixa, ainda segurando a foto.
Dia claro, rua cheia de gente. Os carros se desviam da
mulher ajoelhada. Pessoas olham sem muita curiosidade e seguem. Ela continua
ajoelhada. Todos a evitam meio que sem
percebê-la, como se ela fosse uma rocha colocada no meio da rua. Os anos
passam. Seu rosto fica cheia de rugas, os cabelos embranquecem. Uma vista mais
ampla da rua, onde agora passam carros de modelos mais modernos, e os
transeuntes usam roupas modernas. A
mulher continua ali.
Uma guerra devasta a cidade. Explosões, massacres, invasão
de tropas, e tudo passa em torno da mulher sem tocá-la. A cidade fica deserta,
em ruínas, os prédios desmoronam. O mato toma conta de tudo, mas se mantém à
distância da mulher. Nuvens pesadas se
acumulam no céu. Desaba a tempestade. Um raio cai, ziguezagueando; e se
imobiliza no céu. A mulher ergue a cabeça para fitar o relâmpago “congelado” no
espaço; abaixa os olhos para a foto que ainda mantinha na mão. Sorri... e se esvai como se fosse feita de
fumaça. A foto cai ao chão. Nela, vê-se o mesmo ziguezague do relâmpago.