sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

3380) Arte Formigueiro (27.12.2013)




Os críticos defendem há muito tempo o conceito de que, em grande medida, a beleza está no olho de quem vê.  Isso tem uma força tão grande que é possível alguém enxergar beleza até onde não foi feito nenhum esforço para criá-la. É aquela beleza involuntária, ou aleatória, que podemos encontrar em manchas de lodo, num muro antigo todo descascado, nas manchas no interior de um tronco de madeira, em formações naturais (rochas, corais, nuvens) ou na estrutura microscópica de minúsculos insetos ou plantas. Olhamos para aquilo e vemos belas combinações de cores e de formas, vemos harmonia, vemos simetria, vemos elementos visuais que nos dão aquela velhíssima sensação expressa no velhíssimo clichê: “Parece uma pintura!”.

Pode ser beleza, mas, segundo os teóricos, não é arte, porque a arte pressupõe a intenção de criar a beleza, ou pelo menos de criar algo que impressione nossos sentidos e nossas emoções (expor um mictório numa galeria, como fez Duchamp). Existe sempre alguém por trás da obra de arte, por mais aleatória que ela pareça, como naqueles quadros que não passam de uma porção de tintas derramadas ao acaso sobre uma tela. Alguém posicionou a tela, alguém escolheu as cores das tintas, alguém iniciou e depois interrompeu o processo que se supõe aleatório. Pode não ser uma grande obra de arte, mas é obra de arte, sim, senhor. Alguém acaba gostando e até pagando cem mil dólares pelo resultado.

Este vídeo (http://bit.ly/1jjQ5RX) mostra uma maneira interessante de produzir arte. O sujeito encontra um formigueiro abandonado, vazio, e derrama dentro dele um galão de alumínio derretido, fumegante. O alumínio vai se esgueirando pelos corredores do formigueiro, e, depois de alguns minutos, se solidifica lá dentro. Resta ao artista cavar em volta, arrancar do chão aquele objeto com mais de meio metro de diâmetro, e depois aplicar sobre ele uma mangueira com jato dágua sob pressão, desprendendo e lavando toda a terra, deixando apenas o metal solidificado e frio que há no interior.

É arte? Eu acho que sim, porque requer um esforço imaginativo, uma antevisão do resultado, um mínimo de habilidade manual e o domínio de pelo menos dois tipos de tecnologia. O resultado é um emaranhado de hastes metálicas reproduzindo o labirinto interior do formigueiro; e é irônico que a forma final tenha sido criada pelos insetos e apenas revelada pelo Homem. Seria mais interessante ainda se o formigueiro estivesse ocupado e as formigas fossem mortas durante o processo. A obra de arte serviria como o resultado alegórico da relação entre o Homem e as demais espécies do planeta. O título final poderia ser: “Tua Morte é Minha Arte, Parceiro”.