Semanas atrás vi num cinema um cartaz de um filme chamado Saneamento Básico, e comentei: “Quem será o idiota que bota um título idiota como este num filme?” Então vi que o filme era de Jorge Furtado, e disse: “Ah, preciso ver esse filme, deve ser ótimo”. Furtado talvez seja o único sujeito no Brasil que pode botar um título como esse num filme e escapar impune. Sempre acredito que ele é capaz de glosar com inteligência e leveza qualquer mote que lhe seja proposto, qualquer idéia, por mais absurda que pareça. Sua habilidade com roteiro, diálogos e atores estão presentes em filmes como O homem que copiava e Meu tio matou um cara, nos quais ele desenvolve um estilo peculiar de comédia de costumes da juventude gaúcha. (Ainda não vi o primeiro filme dele, Houve uma vez dois verões, de 2002).
Saneamento básico tem um subtexto ecológico (a necessidade de tratar esgotos urbanos) e de sátira à burocracia, porque na cidadezinha falta um esgoto e não há verba para ele; mas há verba para um filme, e a rapaziada tem que fingir estar fazendo um filme para poder construir o esgoto. A partir daí, juntando alguns jovens que não entendem nada de cinema (interpretados por Wagner Moura, Fernanda Torres, Bruno Garcia e Camila Pitanga) temos o divertido privilégio de conhecer como se produz um filme “trash”, ou seja, um filme com uma idéia grotesca e sem sentido, em que atores sem experiência interpretam cenas mal concebidas, com figurinos pegados no fundo da mala e efeitos especiais da Era Paleozóica – estes a cargo do expert-de-província interpretado por Lázaro Ramos.
Os filmes de Furtado têm diálogos inesperados e verossímeis, com tudo que há nos nossos diálogos reais: os ziguezagues, as repetições, as falações simultâneas, as frases deixadas pela metade, e a peculiar surdez psicológica que nos acomete quando estamos mais concentrados em pensar no que diremos em seguida do que em prestar atenção ao que o outro está dizendo agora. Seus atores, jovens, rápidos, acostumados entre si, mantêm esses longos diálogos no ar como uma peteca que não cai nunca. Falei nos jovens, mas o veterano Paulo José faz um velho fabricante de móveis a quem cabe uma ótima ponta como cientista louco e boas contracenas com o “italiano” Tonico Pereira.
Há décadas se diz que o cinema brasileiro vive entre dois extremos: obras-primas que ninguém entende e filmes vulgares que apelam para a ignorância. Faltaria aqui (dizem) aquele meio termo que mantém de pé a maioria das indústrias cinematográficas: o filme de entretenimento de boa qualidade. Pois bem, uma das melhores coisas do cinema brasileiro dos últimos 15 anos é a quantidade de filmes com esse perfil. É o caso de Saneamento Básico, que traz para a tela grande algumas coisas boas da nossa televisão (jovens atores de talento, ação e diálogo naturalistas mas com imaginação e criatividade, narrativa rápida). Além de ser uma divertida homenagem ao cinema-lixo.