Num dos quatro prefácios que fez para Tutaméia, Guimarães
Rosa anunciava: “A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a História. A estória, às vezes, quer-se um pouco
parecida à anedota”. Poderia servir de
epígrafe ou comentário para numerosas obras contemporâneas em que fatos
históricos aparentemente consensuais e estabelecidos são retomados com o
discurso típico da ficção e começam a mostrar-se tão maleáveis e sujeitos a
novas luzes que quando retornamos ao compêndio histórico sua verossimilhança
parece comprometida até o fim dos tempos.
É o que acontece com as narrativas curtíssimas de José
Roberto Torero em Papis et Circenses (Alfaguara, 2014), que descreve em
poucos parágrafos as trajetórias de cerca de 98 pontífices (alguns textos
englobam mais de um). Torero tem
beliscado a História do Brasil por diversos ângulos comprometedores (O Chalaça, Terra Papagalli, etc.), como que para nos lembrar que ela permanece nua por
baixo das vestes fornecidas pelos historiadores oficiais. Este seu resumo da história dos Papas parece
surreal, mas ao mesmo tempo tem os pés na História, até mesmo quando fala de
personagens como João VII, que sofreu um aborto durante uma procissão. (Pois é... era uma mulher.)
Vários episódios do livro parecem esquetes do Monty Python,
mas fui conferir na web, e tudo bate.
Os fatos são basicamente aqueles, as motivações pessoais aqui descritas
não devem estar muito distantes das que a História registrou. Tudo depende da voz narrativa. A de Torero, embora rápida, cortante,
irreverente, não chega a ser a voz do deboche, nem mesmo quando resume num
hai-kai o destino de Urbano VI: “Urbano ia na procissão / mas caiu de sua mula,
/ e bateu a cabeça no chão”. Papas mais
recentes, de Pio XII até aqui (os que coincidiram com meus anos de vida) são
retratados com finura e sem mercê.