segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

2749) Natal 2011 (25.12.2011)



("The Neverending Search", de David Ho)

...e a roda do Zodíaco e seu zoo,
como um filme de doze fotogramas,
sobre esta Terra projetou seus dramas
que nos dão a ilusão chamada vida.
Tridimensional e colorida,
sensorial, corpórea, carne-e-osso...
De onde virá, então, a voz que ouço
sussurrando que tudo é a Matrix?
Compartilho com os nerds e com os geeks
a noção de que o mundo é Simulacro;

uma área que une o micro e o macro
nesta hipernovela em que caminho
de mãos nos bolsos, tranquilão, sozinho,
pelos jardins da General Glicério
fotografando a face do mistério
de existirem jardins, papelarias,
escolas, locadoras, padarias,
este café que acolhe os literatos,
grama verde, remédio contra ratos...
Tudo tão verossímil. Tão real.

Tudo é vento e é fogo, mel e sal,
pedra de gelo e brasa sobre a pele;
tudo que nos atrai e nos repele,
o corpo vivo e seus magnetismos.
Por baixo deste chão, quantos abismos?
Mas eu caminho, e piso sem receio,
e num piscar constato que passeio
em Manaíra, e compro tapioca,
e o pão daqui, igual ao carioca,
sugere a hipótese de um mundo só.

Passa um carro-de-mão com seu forró
estrondando milhões de decibéis;
fico marcando o ritmo com os pés
enquanto espero meu sinal abrir.
Os carros passam sem me pressentir,
sem saber que vivi por mais um ano;
bem ou mal, eis-me aqui, sem nenhum dano
a não ser os de ordem financeira...
Abriu! E eu atravesso na carreira
como o último Beatle de Abbey Road.

Chego à vitrine, apalpo o cartão Gold,
que já está da finura de uma seda...
Natal, poeta, é uma cana azeda
que a gente chupa e louva-lhe a doçura.
Melhor presentear literatura,
dar poemas aos membros da família!
Sai mais barato que trocar mobília,
renovar guarda-roupa e tudo o mais...
Distribuir sextilhas ou hai-kais
e dar o caso como resolvido.

Sigo, a tirar velhas canções do olvido,
afinal é Natal, “bimbalham sinos”,
exumam-se os enfeites naftalinos,
e volta a ressoar pela cidade
Luís Bordón, “A harpa e a cristandade”,
o mesmo que tocava no Alto Branco...
Tanto tempo passou? Pois serei franco,
dentro aqui tudo aquilo ainda existe;
não me venham dizer, de dedo em riste,
que o meu passado se apagou em mim.

E ao futuro, também, só digo Sim;
talvez um simulacro, mas sincero.
E este presente do futuro eu quero:
os olhos calmos de um bebê mutante
que parecem dizer: não chore, cante
(e que me dizem mais quando adormeço);
e assim me redescubro e reconheço
ao zerar cada ano, cada “game”.
Sobrevivi, ou seja, recriei-me,
sempre o mesmo, e mudando em pleno voo...