(Rádio Borborema, anos 1950, esquina da Cardoso Vieira com Venâncio Neiva)
Que me socorram os coleguinhas mais velhos (que já são poucos) e mais bem informados do que eu (que já são muitos). Não sei até hoje qual é a peça de música orquestral que servia de característica musical para o “Campinense Repórter”, o noticiário de emergência da Rádio Borborema em minha infância. Provavelmente um pedaço inocente de música clássica que, pela utilização que recebeu, transformou-se na música mais ominosa, ameaçadora e agourenta do mundo, para várias gerações da Serra.
Era uma época em que a Rádio Borborema dominava latifundiariamente as ondas hertzianas do brejo, sertão, cariri e agreste. A vida ia correndo mansa, fluindo tranqüila, e em dezenas de milhares de residências os rádios estavam ligados, fornecendo o fundo musical para as tarefas domésticas, os papos de botequim e de barbearia, as corridas de táxi, as salas de espera, quando de súbito a programação se interrompia. Soava então a música: aziaga, angustiosa, repleta de presságios de cataclismos mundiais ou de falecimentos na família. “Tan – taran – taran... Taranranranran – taran – taran...” Pois é, amigos, pena que esta coluna não seja interativa para que eu pudesse inserir aqui um link e uma gravação em MP3, fazendo com que os sobreviventes daquela época sentissem de novo o calafrio-de-desgraça-iminente que esta música nos causava.
Depois de alguns segundos a música baixava e ouvia-se em gravação a voz clara e firme de Hilton Mota: “O Campinense Repórter – inforrrrma!...” Uma vinhetazinha musical de transição, e o locutor de plantão começava: “Foi encontrado hoje às seis horas, nas proximidades da Estação Velha, o corpo de um indivíduo moreno, aparentando 35 anos, morto com dois tiros no abdômen..” e assim por diante. Terminada a leitura da notícia, voltava a voz de Hilton: “A qualquer momento – em qualquer lugar – pela onda da Rádio Borborema – o Campinense Repórter – voltará – a informarrrr!...” Voltava a vinheta, e voltava a vida ao normal.
Hoje o Brasil está globalizado, e essa função de anunciar as passagens da Pavoa Devoradora cabe ao “Plantão do Jornal Nacional” ou do “Jornal da Globo”, também com uma musiquinha urgente, nervosa, e aquela imagem de dezenas de microfones brotando da tela em nossa direção, como sanguessugas-robôs querendo nos devorar. Ver aquilo significa parar tudo e correr para a TV – porque “Deu-se Um Fato”. Lembro um dia em que eu caminhava pelo centro de João Pessoa, vi a vinheta na vitrine de uma loja de eletrodomésticos, entrei, e vi a notícia do falecimento do técnico da Seleção Brasileira, Cláudio Coutinho, afogado ao mergulhar nas Ilhas Cagarras. Lembro uma madrugada em que um filme foi cortado ao meio e surgiu a cara desnorteada de Leda Nagle, dizendo: “O presidente eleito Tancredo Neves acaba de ser internado para uma cirurgia no Hospital de Base de Brasília...” Raramente é coisa boa. Mas até hoje eu não sei de onde tiraram a música do “Campinense Repórter”.