Dias atrás um entrevistador me perguntou se eu já tinha tocado numa banda de rock. Expliquei que sim (“Os Sebomatos”, 1968-69) mas que na época não era “banda de rock” que se dizia, e sim “conjunto de iê-iê-iê”. A troca de um rótulo por outro reflete uma enorme mudança no mercado de música popular.
Por que dizíamos “conjunto”? Esta palavra não vem do inglês, não vem do mundo roqueiro. Vem da música erudita e popular tradicional onde o termo internacional é “ensemble”, palavra de origem francesa (oriunda do latim “insimul”, “ao mesmo tempo”) mas que se internacionalizou para designar grupos de músicos e de atores teatrais. (Neste último caso, o primeiro exemplo que me ocorre é o grupo de Bertolt Brecht, o “Berliner Ensemble”).
Os “ensembles” musicais podem ser eruditos, como os quartetos de cordas, etc., e podem ser populares. É qualquer arregimentação de músicos instrumentistas que ensaiam e tocam juntos.
Dizíamos “de iê-iê-iê” (ou "ié-ié-ié") porque era assim que o rock passou alguns anos sendo chamado. Na época não tínhamos idéia de que o termo “rock” viria para ficar, porque surgiu o “rock”, depois surgiu o “twist” (lembram-se de Chubby Checker?), e surgiu o “iê-iê-iê” que era associado à imagem dos Beatles e ao irresistível refrão de “She Loves You”, tanto que o filme A Hard Day’s Night recebeu o título local de Os Reis do Ié-Ié-Ié.
Era algo tão diferente do rock de Elvis Presley e Bill Halley que para mim, pelo menos, um novo nome se fazia necessário. “Conjuntos de iê-iê-iê” passaram a ser todos os grupos do gênero, dos Beatles aos Brazilian Bitles, dos Hollies aos Peraltas, dos Herman’s Hermits aos Falcões, dos Tremeloes aos The Millus.
Seria interessante pesquisar quando a palavra “band” se consagrou (nos países de língua inglesa) para designar os grupos de rock e se superpôs ao próprio termo “group”. Porque “banda” designa originalmente aquele grupos de instrumentistas, formado em sua maioria por metais, que andam pela rua executando dobrados e marchinhas militares. São as nossas populares “bandas de música”, como a inigualável “Sá Zefinha”.
Foi em busca dessa referência nostálgica, ligada a nossa infância, que Chico Buarque compôs “A Banda”, e que os Beatles arquitetaram seu álbum conceitual Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, onde estavam vestidos a caráter e empunhando clarinetes, bombardinos, sei lá o quê. “Banda”, naquele tempo, era isso.
Antes do Sgt. Pepper’s o termo já era usado, claro, e havia pelo menos a Incredible String Band dos escoceses Heron & Williamson (quando alguém vai redescobrir estes gênios do folk psicodélico?) até surgir The Band, que acompanhou a fase elétrica de Bob Dylan e tornou-se, até por este nome (“modesto e orgulhosíssimo”) a Banda arquetípica.
O uso do termo “banda” no português atual reflete hoje o fato de que todo mundo sabe o que é uma banda de rock, e só os coroas como eu, Chico Buarque e mais meia-dúzia, ainda lembram o que é uma banda de música.