segunda-feira, 11 de maio de 2015

3811) Mario Quintana e Ray Bradbury (12.5.2015)



(Norman Rockwell, Looking out to sea, 1919)



Numa entrevista concedida a Edla Van Steen (incluída em Da Preguiça como Método de Trabalho, 1987) Mario Quintana dizia: “O que de melhor e de pior se publica atualmente nos Estados Unidos são as novelas de ficção científica. Entre elas, descobri as de um grande poeta, Ray Bradbury. É dessas obras que a gente gostaria de ter escrito.”  

Um elogio assim talvez baste para justificar minha tentativa de aproximação entre os dois escritores, que de fato têm muita coisa em comum. Bradbury é chamado por muitos “o poeta da FC” pela sua prosa rica de metáforas, o olhar lúdico com que descobre ângulos imprevistos em qualquer coisa, sua insistente fascinação com a infância. Sua obra lembra (mais do que a de Garcia Márquez) a frase de Garcia Márquez quando dizia: “Meu avô me contava histórias. Morreu quando eu tinha oito anos. Nunca mais aconteceu nada interessante em minha vida”.

Quintana (1906-1994) não tinha fôlego de ficcionista. Era bom prosador, como provam suas numerosas crônicas, suas ótimas traduções (Proust, Balzac, Virginia Woolf, Voltaire, Fredric Brown, etc), seus numerosos “fragmentos de almanaque”, uma forma específica que ele cultivou intensamente ao longo da obra. Sua aparente ingenuidade de menino tem muitos pontos em contato com Bradbury (1920-2012), inclusive numa certa rejeição aos aspectos mais invasivos da tecnologia. Ambos tinham fascínio por outros planetas, mas não por espaçonaves. Pelas perguntas da ciência, não por suas respostas.

Quintana dedicou ao norte-americano um poema (“Ray Bradbury”) em Esconderijos do Tempo (1980), dizendo que foi ele “o primeiro que, depois da infância, conseguiu encantar-me com suas histórias mágicas”. Fala (numa enumeração nostálgica que provavelmente deixaria Bradbury coçando a cabeça meio perplexo) no Menino Jesus, nas princesas, nos reis “heráldicos como cartas de jogar”, em São Jorge, em Dom Quixote, e depois finaliza:

Todo esse encantamento de uma idade perdida 
Ray Bradbury o transportou para a Idade Estelar 
e os nossos antigos balõezinhos de cor 
agora são mundos girando no ar. 
Depois de tantos anos de cínico materialismo 
Ray Bradbury é a nossa segunda vovozinha velha 
que nos vai desfiando suas histórias à beira do abismo 
-- e nos enche de susto, esperança e amor.

Não sei até que ponto o autor de O País de Outubro se agradaria em ser chamado de “Old Grandma”, mas os dois partilham a mesma sentimentalidade, a recusa ao materialismo, a lealdade para com o fraco e o pequeno, o humor negro sem crueldade, o jeito misto de menino e ancião, algo que ambos tiveram constantemente de uma ponta à outra da vida.