Há
quem diga que eu sou medroso, mas não sou medroso, sou precavido. Se eu fosse
medroso eu não teria coragem – para dar um exemplo – de abrir gavetas. Mas eu
abro gavetas: apenas costumo abri-las muito devagar, para não correr o risco de
puxá-las além da conta, fazer com que escapulam de dentro do móvel e derramem
todo seu conteúdo (talheres, documentos, o que for) no chão. Todo mundo já deve
ter passado por isso – puxar demais uma gaveta e fazê-la tombar no chão,
derramando tudo. Eu, não. Nunca me aconteceu. Porque sou medroso? Não: porque
sou precavido. Por isso quando preciso abrir uma gaveta, eu abro muito
lentamente. Não é problema meu se isso exaspera as pessoas que estão esperando
e olhando o relógio de minuto em minuto.
Medo
de centopéias, por exemplo: tenho, mas quem não tem? Vou lhe dizer quem não
tem: quem nunca viu uma centopéia de verdade subindo ao longo da pele do braço,
deixando marquinhas nele com aquelas perninhas ósseas, enquanto o ferrão vai
sendo preparado. Isso nunca me aconteceu, mas só por isso eu sou medroso?
Conte-me outra. Medo de guerra, de guerrilha, de revolução, de ditadura, de
pau-de-arara? Não preciso ter. Medo de vampiro? Eu rio de vampiro. Vampiro que
tenha medo de mim. Medo de tempestade, de tornados, de que a minha casa afunde
como se fosse um navio, nada disso eu tenho. Medroso, eu? Hah.
Medo
de quebrar um incisivo da frente se um dia eu estiver bêbado e cismar de abrir
uma garrafa de cerveja com o dente? Não tenho. Medo de descobrir que sou filho
adotivo, e que meu verdadeiro pai é aquele mendigo cheio de feridas que me faz
atravessar para a calçada oposta à dele? Não tenho. Medo de ET, medo de
abominável homem das neves? Não tenho. Medo da polícia? Tenho, mas, volta a
mesma questão, quem não tem medo da polícia? O crime organizado, talvez, mas eu
não sou o crime organizado. Medo de barata, de tubarão, de vírus Ebola? Não
tenho. Medo de ficar pobre? Não tenho. Tenho medo de ficar rico. Não saberia
administrar esse problema.