sábado, 27 de abril de 2013

3171) A Porca de Soledade (27.4.2013)





A Porca de Soledade “virou cultura”, como dizem certas senhoras. Ficou famosa, virou domínio público. Sua fama já cruzou fronteiras, já chegou a dezenas de países e centenas de milhões de pessoas, mas mesmo assim a curta vida do extraordinário animal continua a ser objeto de investigação e polêmica, mergulhada que está nas brumas da desmemória e nos torvelinhos da lenda.

A parte da desmemória está sendo compensada, porque uma auditoria independente exumou há pouco, nos porões de uma prefeitura, uma caixa de ventilador cheia de papéis concernentes à famosa Porca. São depoimentos colhidos no calor dos acontecimentos ou redigidos com mais vagar na crônica das efemérides. Conta-se ali o terror que se abateu sobre Soledade através da Porca Que Tinha De Comer Sem Parar.

A Porca nasceu numa fazenda, não se sabe de quem. Os que se dizem o ex-dono do animal original chegam às dezenas, de modo que é inútil arrolar aqui seus nomes. A história começa a ficar mais nítida a partir da intervenção de Dedé Merenciano, um bicheiro local autointitulado “o Zoo Tycon do sertão”.  Ele comprou a Porca depois que esta, recém-nascida, devorou em dias, com sua fome horripilante e suas mandíbulas insaciáveis, tudo que seu antigo dono possuía. Dedé Merenciano era da teoria de que a crise de um é a oportunidade de outro, e arrematou a Porca sem muito trabalho.

Adulta, a Porca era alimentada de forma contínua por duas filas de quinze homens que, de pá em punho, arremessavam comida em sua gigantesca boca como quem arremessa carvão numa fornalha. A Porca roncava, babujava, cuspia, mastigava, derramava, engolia, mas não parava de abocanhar as saraivadas de maionese, farofa, ração, torta, palma, espaguete à bolonhesa, sopa dos pobres, tudo que os alimentadores lhe jogavam sem parar. Dedé vendia merchandising, usava comida vencida, conseguia isenções, só se dava bem.

Os relatos divergem quanto às dimensões do mítico animal, que vão de um máximo de trinta metros de comprimento e seis de altura (mas num folheto de cordel, de modo que há de se considerar a licença poética) até uma mais razoável, mas não menos impressionante, de uma equipe norte-americana de membros de uma sigla qualquer, que veio, fotografou, filmou, mediu, pesou, tirou amostras, agradeceu e foi embora. Um dos registros que deixaram mostra que a porca tinha cerca de três metros de altura e oito do focinho à cauda. Mas de que adianta isso agora? A vida humana é imprevisível, até para os americanos. Numa noite qualquer deste ano, um dos trinta homens que a alimentavam teve que se interromper por um instante enquanto limpava o suor da testa. E com isso a Porca morreu de fome.