A Porca de Soledade “virou cultura”, como dizem certas
senhoras. Ficou famosa, virou domínio público. Sua fama já cruzou fronteiras,
já chegou a dezenas de países e centenas de milhões de pessoas, mas mesmo assim
a curta vida do extraordinário animal continua a ser objeto de investigação e
polêmica, mergulhada que está nas brumas da desmemória e nos torvelinhos da
lenda.
A parte da desmemória está sendo compensada, porque uma
auditoria independente exumou há pouco, nos porões de uma prefeitura, uma caixa
de ventilador cheia de papéis concernentes à famosa Porca. São depoimentos
colhidos no calor dos acontecimentos ou redigidos com mais vagar na crônica das
efemérides. Conta-se ali o terror que se abateu sobre Soledade através da Porca
Que Tinha De Comer Sem Parar.
A Porca nasceu numa fazenda, não se sabe de quem. Os que se
dizem o ex-dono do animal original chegam às dezenas, de modo que é inútil
arrolar aqui seus nomes. A história começa a ficar mais nítida a partir da
intervenção de Dedé Merenciano, um bicheiro local autointitulado “o Zoo Tycon
do sertão”. Ele comprou a Porca depois
que esta, recém-nascida, devorou em dias, com sua fome horripilante e suas
mandíbulas insaciáveis, tudo que seu antigo dono possuía. Dedé Merenciano era
da teoria de que a crise de um é a oportunidade de outro, e arrematou a Porca
sem muito trabalho.
Adulta, a Porca era alimentada de forma contínua por duas
filas de quinze homens que, de pá em punho, arremessavam comida em sua
gigantesca boca como quem arremessa carvão numa fornalha. A Porca roncava, babujava,
cuspia, mastigava, derramava, engolia, mas não parava de abocanhar as
saraivadas de maionese, farofa, ração, torta, palma, espaguete à bolonhesa,
sopa dos pobres, tudo que os alimentadores lhe jogavam sem parar. Dedé vendia
merchandising, usava comida vencida, conseguia isenções, só se dava bem.