O que é uma atividade sem propósito?
Um sentido possível: uma atividade que provavelmente não terá
utilidade para ninguém. Exemplo: alguém desenhar um triângulo em cada poste
elétrico, quando andar pelas ruas.
Dois: uma atividade meio boba, realizada apenas por diversão ou
desfastio. Exemplo: alguém anotar as formas que vê nas nuvens do céu: camelo, castelo,
baleia, chapéu...
Três: uma atividade que pode até vir a ser útil, mas a própria pessoa
que está fazendo não sabe para que serve. Exemplo: alguns ramos da Matemática
Pura.
A civilização humana foi construída através de projetos
conscientemente concebidos e executados, mas há muita coisa feita sem nenhum
propósito específico e que com o tempo acabou se tornando útil, sem que
ninguém tivesse previsto.
Um exemplo muito conhecido, e que sempre me volta à memória, é o de
Thomas Edison, ao inventar o fonógrafo. Ele considerava que a gravação da voz
humana seria utilíssima para o estudo de idiomas, o que não deixa de ser. Usar
os discos fonográficos para a reprodução (e a venda em massa) de canções
populares foi uma utilização que só lhe ocorreu bem depois. Não fazia parte do
mundo em que ele vivia.
Quando o fonógrafo “foi pras ruas”, logo foram encontradas outras
utilidades para ele.
Embora o utilitarismo pareça mandar no mundo, grande parte de nossas
atividades mais sérias e mais exigentes se dá sem que a gente imagine para que
aquilo vai servir algum dia.
Ocorre na Matemática, por exemplo: um matemático do século 19 inventa uma forma de organizar certos cálculos, capazes de lidar com números complexos, etc. Não sabe para que pode servir, mas sabe que funciona. No século 20, um físico ou um biólogo ou um economista se depara com um problema complicado, mas que é possível reduzir a números: e descobre que o modo ideal de calcular aquilo fora inventado cem anos antes, praticamente “no escuro”.
Ocorre na Matemática, por exemplo: um matemático do século 19 inventa uma forma de organizar certos cálculos, capazes de lidar com números complexos, etc. Não sabe para que pode servir, mas sabe que funciona. No século 20, um físico ou um biólogo ou um economista se depara com um problema complicado, mas que é possível reduzir a números: e descobre que o modo ideal de calcular aquilo fora inventado cem anos antes, praticamente “no escuro”.
(Minkovski e Einstein)
Ocorreram fatos assim na carreira de Einstein, se não me falha a
memória. Ele próprio admitia que seus recursos matemáticos eram limitados, pelo
menos para se igualarem ao alcance espantoso de suas intuições sobre o universo
físico. Há um episódio em que o matemático Minkovski veio publicamente em
socorro dele, exibindo cálculos que ele próprio, Minkovski, tinha desenvolvido,
cálculos capazes de confirmar matematicamente o que Einstein estava
descobrindo.
Quando as teorias de Einstein sobre as distorções do espaçotempo
começaram a “estourar as costuras” da Geometria vigente, chegaram às mãos dele
as chamadas geometrias não-euclidianas de Lobatchevsky (1793-1856) e de Riemann
(1826-1866), que até então muita gente considerava apenas curiosidades,
façanhas intelectuais sem serventia coletiva.
É como se os matemáticos dissessem: a Natureza, o mundo físico, tem
um zilhão de processos que não somos capazes de avaliar, de calcular,
de controlar. Mas quando inventamos um tipo de cálculo ou de controle lógico,
mais cedo ou mais tarde ele acaba sendo visto como a melhor descrição de algo
que acontece nos átomos, ou nas células do corpo.
Ou nos processos econômicos. Lembro o filme Uma Mente Brilhante (“A Beautiful Mind”, Ron Howard, 2001) com
Russell Crowe, onde ele faz o matemático John Nash, que era esquizofrênico e
genial. Algumas fórmulas propostas por Nash só se revelaram úteis, para o
estudo da Economia, muitos anos depois de publicadas, quando ele já estava meio
mergulhado na doença. Sua teoria dos jogos não-cooperativos, descrita em um
trabalho de 1950, lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia 44 anos depois.
É como se a Matemática produzisse respostas e estas ficassem
arquivadas à espera da pergunta correspondente. O que faz sentido, se virmos o
trabalho científico com os olhos de Einstein, para quem o que faltava à Ciência
não eram respostas certas, mas perguntas novas. Muitas dessas perguntas (ele
deve ter pensado) iriam ter respostas já prontas, descobertas importantes mas
que até então ninguém sabia para que servia.
Um exemplo em que sempre penso como “atividade inútil” é a criação de
idiomas artificiais, tão classificativos e cheios de regras que ninguém se
daria o trabalho de entender sua gramática. Paulo Rónai dedicou o livro Babel e Anti-Babel (Ed. Perspectiva, São
Paulo) a esses indivíduos meio excêntricos, dos quais o mais bem sucedido
parece ser o Dr. Zamenhof, que criou o Esperanto.
O idioma Klingon surgiu de maneira diferente: foi inventado com o
propósito de mostrar como falavam os alienígenas Klingon na série “Star Trek”,
e foi falado pela primeira vez no filme Star
Trek: The Motion Picture (1979). Está claro que para os produtores e todos
os artistas envolvidos a língua klingon tinha um propósito muito claro. Era um
detalhe a mais de verossimilhança para encorpar um universo ficcional. Como a
linguagem dos elfos criada por Tolkien em O
Senhor dos Anéis.
The Klingon
Dictionary foi publicado em 1985 por Marc Okrand, o linguista contratado peça produção
de “Star Trek” para inventar o idioma daqueles alienígenas de testa
gigantesca. Desde então, o Klingon
Language Institute já publicou traduções em klingon de obras clássicas como Hamlet, A Epopéia de Gilgamesh e o Tao
Te King.
Uma linguagem sem povo, à espera de quem a utilize.