Fazer como Lionel Messi, que toda vez que é derrubado se
levanta e continua a arrancada rumo ao gol.
Fazer como Darcy Ribeiro, que estava brincando de
roleta-russa com um amigo, girou o tambor do revólver, encostou na testa, e de
repente virou na direção da parede, e abriu um rombo nela com um estrondo
ensurdecedor.
Fazer como as mendigas cegas que cantam, não para atrair
moedas, mas para mostrar que não são inferiores a quem lhes paga.
Fazer como Homero, que pode até nem ter existido, mas
escreveu dois livros DESSE tamanho.
Fazer como Bobby Fischer, para quem o xadrez chegou a um
ponto repetitivo demais, e sugeriu mudar a posição de todas as peças.
Fazer como Shelley Winters, que se trancava no camarim
escutando as divas da ópera, e só saía quando o diretor estava pronto para
rodar a cena.
Fazer como aquele bêbo anônimo que vinha passando de
madrugada, um guarda pediu a ele os documentos, ele meteu a mão no bolso e
puxou a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Fazer como o Bacharel de Cananéia, aquele português que
quando Pedro Álvares Cabral chegou aqui ele já morava em São Paulo, com um
harém de índias.
Fazer como Nara Leão, que cansou de ter discos nas
paradas de sucesso e fazer shows lotados, e foi estudar na PUC.
Fazer como Erik Satie, que morava num subúrbio distante
em Paris, voltava da farra a pé, e quando chegava em casa já estava na hora de
sair de novo.
Fazer como Ishmael, que viveu para contar a história.
Fazer como Fritz Lang, a quem o Ministro Goebbels
ofereceu a coordenação do cinema nazista, ele aceitou, marcou reunião para a
semana seguinte, e saiu dali direto para a estação de trem mais próxima.
Fazer como aquela colhedora de algodão em Serra Branca, que
interrompeu o trabalho, pariu um menino embaixo dum juazeiro, entregou para a
sobrinha, e voltou a arrancar capuchos.
Fazer como aquele padre do interior que confessava os
próprios pecados para as beatas, e a fila dobrava o quarteirão.
Fazer como Luís Carlos Prestes, que passou um ano preso
na cela solitária e todo dia vestia terno e gravata, para não perder o moral.
Fazer como minha mãe, que nas horas de aperreio tomava um
banho de tonel para esfriar a cabeça, e uma dose de uísque para esquentar o
coração.
Fazer como a chuva, que cai em pé e corre deitada.
Fazer como Tim Berners-Lee, que inventou a World Wide Web
e se recusou a requerer patente, royalties etc., porque não precisava – já
tinha uma casa, tinha automóvel, economias no banco etc.
Fazer como aquela quenga da Unidade Moreninha que um dia
explicou ao coronel: “o que o senhor está comprando é o seu prazer, não a minha
liberdade”.
Fazer como Ulisses, que disse que não era ninguém; como
Álvaro de Campos, que disse que não era nada; como John Lennon, que disse que
não era de lugar nenhum.
Fazer como a octogenária Erundina, que todo dia agôa uma
arvorezinha da qual não sentirá a sombra.
Fazer como aqueles livros fabricados tempos atrás, que
uma vez abertos e largados sobre a mesa não voltavam a se fechar: deixavam-se
ler, deixavam-se tratar como livros.
Fazer como aqueles soldados das histórias antigas, que
recebiam a incumbência de levar um recém-nascido para o bosque e matá-lo, e
desobedeciam, permitindo que uma obscura lenda se produzisse a partir daquele
gesto.
Fazer como Audrey Hepburn, que quando o produtor ameaçou
cortar do filme a cena onde ela canta “Moon River” respondeu: “só se for
passando por cima do meu cadáver.”
Fazer como Salvador Dali, que ia para o aeroporto e
emburacava no avião sem passagem, dizendo: “sou um gênio, a humanidade me deve
isto”.
Fazer como o Cego Aderaldo, que percorria o sertão com um
projetor 16mm., exibindo filmes que não podia ver.
Fazer como a abelha, que ferroa e morre, mas não deixa de
ferroar.
Fazer como o Word, que tem o comando Ctrl+Z para voltar
atrás quando faz besteira.