Aqui vão algumas
das minhas leituras de 2018. Podem valer como indicação para quem se interessa
pelos mesmos assuntos. Muito do que leio são leituras de trabalho, apenas para
informação. Algumas acabam se destacando. Também só comentarei abaixo os livros
que li do começo ao fim. Minha leitura é fragmentária: de cada dez romances que
começo, só termino um. E não é que os outros nove sejam maus livros; em geral é
somente porque naquele momento não estou com vontade de ler aquele tipo de
livro. O que leio, leio por prazer. Ninguém me paga e ninguém me cobra.
CULTURA POPULAR
Minhas pesquisas recentes sobre cordel e poesia popular passaram por títulos que recomendo com gosto.
O roteiro do verso popular, do português
A. A. Freire, faz um breve apanhado das ligações entre a poesia popular
brasileira e portuguesa, dando destaque a alguns personagens pouco conhecidos. Deveríamos ler mais os registros portugueses
sobre esse tipo de poesia. É sempre bom ver o que temos em comum com eles, e o
que temos de irreprimivelmente nosso.
História da Literatura de Cordel, de
Carlos Dantas, é uma pesquisa detalhada e bem documentada sobre as primeiras
décadas de nossa poesia, e os primeiros pioneiros como Leandro, Chagas Batista
e Athayde. Surgida de uma tese de doutorado, levanta com bastante rigor nomes,
datas, locais, depoimentos e versos. Há pouca coisa escrita sobre esse período
de cem anos atrás, e livros com este nível de dedicação são sempre bem vindos.
Uma História do Samba: as Origens, vol. 1
(Cia. Das Letras) de Lira Neto. O que foi dito acima vale também para o samba,
embora a bibliografia neste caso seja muito maior. Lira Neto reconstitui
episódios cruciais na transição musical do maxixe e outros ritmos para o que
chamamos samba, destacando a origem social e os traços de personalidade dos
grandes sambistas.
Água da Mesma Onda (Fortaleza: Editora Íria, 2011), de
Francisca Pereira dos Santos, reproduz e comenta a correspondência, em prosa e
em verso, entre Patativa do Assaré e a poetisa Bastinha. Mostra não apenas a
presença meio obscura e discreta das mulheres no universo basicamente masculino
da poesia do Sertão, como também o hábito, até hoje pouco analisado pelos
estudos acadêmicos, de escrever cartas em versos, o que mostra a disseminação
da dicção poética numa população de leitores de poesia que não se atrevem a se
apresentar publicamente como poetas.
Almanaque de Brasilidades (Rio, Ed. Bazar do Tempo) , de Luiz
Antonio Simas. Título auto-descritivo para um enorme apanhados de nomes, fatos,
anedotas, definições, listas, registros cronológicos e históricos. Simas é um
grande conhecedor de cultura popular, principalmente do samba e das religiões
de matriz africana. Seu almanaque é para ser lido ao acaso, abrindo e colhendo
o que se oferecer. (Embora eu o tenha lido do começo ao fim sem queixas.)
ROMANCE POLICIAL
Em matéria de livro policial, li pouco este ano.
O ano novo de Montalbano (Ed.
Record) de Andrea Camilleri é mais um título das aventuras do Comissário
Montalbano, de uma cidadezinha da Sicília. Desta vez é uma coletânea de contos,
com algumas pequenas tramas engenhosamente concebidas, e principalmente os
retratos inesperados e verossímeis de personagens miúdos. Já comentei outros
livros da série aqui no blog.
Fogo na Carne (“Fire in the Flesh”),
Edições de Ouro, de David Goodis, é um romance noir desse autor pouco convencional, que tinha leitores fiéis nos
EUA dos anos 1940-50, e na França mereceu biografia e estudos críticos. A
narrativa acompanha as conseqüências de um incêndio proposital com vítimas, no
submundo de Filadélfia. É uma dessas histórias que decorrem praticamente ao
longo de uma noite insone, com perseguições, violência, traições, personagens
marginais escapando por pouco à polícia e à própria tendência autodestrutiva.
He Who Whispers de John Dickson Carr
é justamente o contrário: um mistério detetivesco à moda clássica, na Londres
pós-guerra, com um crime insolúvel do passado sendo deslindado no presente pelo
detetive Dr. Gideon Fell e desestruturando as vidas de uma porção de pessoas.
Como nos outros mistérios de Carr, muita engenhosidade, prestidigitação
narrativa, uma certa concessão à coincidência e a alguma improbabilidade
psicológica... Mas, como sempre, uma história de eventos inexplicáveis cuja
explicação final nos deixa sem o que dizer.
POESIA BRASILEIRA
À Cidade (Fortaleza, Expressão
Gráfica e Editora) de Mailson Furtado, ganhador do Prêmio Jabuti, é um
livro-poema esmiuçando os minutos e os anos da vida numa cidadezinha do sertão
nordestino, num ritmo recursivo cheio de sutilezas. Um livro promissor de um
poeta jovem.
Sertão Japão (Ed. Casa de Irene) de
Xico Sá e Grãos de Esperança (300 haikais) (Ed. Chiado) de Wilson
Guerreiro Pinheiro são uma parelha de livros sobre a qual ainda pretendo
escrever com mais vagar. Os dois poetas usam o haikai para comentar a natureza,
as pessoas e a psicologia do Sertão. Xico com mais liberdade formal, Guerreiro
com fidelidade estrita ao “modelo guilherme-de-almeidiano” do hai-kai. Ambos
com flashes memoráveis de observação e delicadeza.
Anamnese (Ed. Lacre) de Alexei Bueno
é mais um livro que me recupera a fé na poesia de forma fixa, as estrofes
rimadas e metrificadas, que predominam aqui. Uma forma da qual Alexei é um
executor da maior competência, num começo de século cada vez mais entregue às
estrofes curtas de versos livres com rima eventual.
Lendário Livro (Editora Rubra) é uma
antologia de que participei ao lado dos amigos Toinho Castro, Numa Ciro, Nonato
Gurgel, Aderaldo Luciano e Otto. Dicções diferentes de uma trupe com diferentes
focos, diferentes repertórios, e muita coisa em comum.
Quero morrer na caatinga (Ed. Areia
Dourada) de Aderaldo Luciano é talvez o melhor livro de poemas do bardo de
Areia. Um olhar sem ilusões e sem medo diante de um mundo em turvação, vazado
em dísticos implacáveis como pancadas de enxada em terra dura.
(continua amanhã)