(ilustração: Madoz)
Eu estava ouvindo rádio e perguntaram a um piloto a
opinião dele sobre um modelo de carro, o “X”, e ele disse:
“O X é uma máquina
muito prazerosa de ser pilotada”.
Está certa ou errada essa frase? Eis uma questão
filosófica de primeira grandeza. E a resposta à altura é que a frase não tem
erro algum, está gramaticalmente aceitável, e todo mundo entende o que ele está
dizendo.
No meu caso, eu entendo que a frase está apenas mal
formulada, porque é assim que todos nós em geral falamos quando estamos (como
era o caso) respondendo de improviso uma pergunta, ao vivo, num programa de
rádio. Essa junção de “é prazerosa / ser pilotada” enfraquece a ação,
apassivando os verbos.
O primeiro impulso dele certamente foi dizer: “O ‘X’ é uma máquina muito prazerosa”. Aí ele sentiu que faltava um complemento, né?
Prazerosa de que? De escutar? De olhar? Faltava a alguma coisa, e numa fração de segundo
surgiu o complemento: “... de ser
pilotada”. O início teria sido diferente se ele já estivesse pensando nessa
conclusão, o que certamente não foi o caso.
Se o mesmo cara fosse escrever isso num teclado, num
email, por exemplo, ele talvez tivesse tempo de achar que a frase podia ser
melhor. Se eu fosse dar uma mexida nessa frase, a próxima versão dela ficaria
assim:
“O X é uma máquina
que dá muito prazer a quem pilota”
A idéia que busca se expressar é a junção de: “X” + ação de pilotar + prazer. Essa
semântica trindade é “o que ele está querendo dizer”.
Há mil maneiras de verbalizar isto, inclusive invertendo
os enunciados:
“O maior prazer na
minha vida de piloto foi pilotar o X.”
“Pilotar o X: um
prazer e uma revelação.”
“X: uma máquina que
bem pilotada dá o maior prazer”.
A trindade de elementos está presente em todas, mas é
possível fazer centenas de variantes com ênfase nisto ou naquilo, em tom poético,
em tom propagandístico.
Publicitários passam noites em claro mexendo em frases
assim, até baterem o martelo e apontarem a versão definitiva. Escritores
maníacos, perfeccionistas, fazem isso de moto próprio, sem receber um cachê
pré-acertado por hora de trabalho, contando apenas com a compreensão do
presente e a generosidade do futuro.
Uma frase mal formulada reflete o modo fragmentado que é
natural da nossa comunicação. Quando falamos no dia a dia, espontaneamente,
falamos aos cacos, o pensamento faz ziguezagues, mudando regências ou sujeitos
no meio de uma frase. Quando a gente escreve, tem mais tempo de evitar isso.
A não ser que seja um rei da resposta rápida, como o
pistoleiro que Ariano Suassuna lembrava nas suas palestras. O coronel chamou o
assassino profissional e explicou quem seria a vítima, e quanto o pagamento. Ficou
meio desconfiado com a tranquilidade do pistoleiro e disse: “Venha cá, mas você
tem mesmo coragem de matar um caba?” E o outro disse: “Doutor, coragem eu não
sei se tenho não, eu tenho é costume”.
Uma resposta como essa nem precisa ter sido de improviso
para ser considerada uma resposta impecável, mas se foi improviso o jeito é
emborcar a viola e pedir um café.
Mas ninguém pensa normalmente assim. Ninguém produz
respostas concisas e brilhantes como essa, a não ser quem faz disso sua razão
de ser, como cantadores ou contadores de histórias.
A frase bem escrita diz muita coisa em troco do esforço
que exige, ou seja, por mais complexa que seja a forma ou profunda a idéia, o
leitor emerge ao fim da experiência com a sensação de ter ganho alguma coisa.
A frase mal escrita é aquela que parece que vai numa
direção, aí dá uma volta, muda de idéia, como uma colagem de músicas em tons
diferentes. Exige um esforço danado para a gente achar que entendeu 85% dela, e
quando a gente dá o balanço e vê o resultado diz: oxente, isso tudo pra tão
pouco?