Reza a lenda que alguns anos atrás Bob Dylan foi fazer um show numa cidade tamanho médio qualquer. Chegou na véspera, instalou-se no hotel, e ao anoitecer saiu sozinho para dar uma volta no quarteirão.
Era um
desses bairros pacatos, casinhas simples, com gramados sem cercas etc. e
tal. Ele saiu pelas calçadas, gozando o
sabor e o prazer do anonimato (coisa que não é pra qualquer um), até que um
carro da polícia parou e os agentes desceram empunhando lanternas e armas.
Mandaram que erguesse os braços. Alguém
tinha visto um homem desconhecido, de casaco e chapéu, rondando as casas;
calafrios de alarma percorreram aquelas vulneráveis medulas suburbanas.
A rádio patrulha foi chamada, e não adiantou
dizer “Sou Bob Dylan, o roqueiro.” E
daí? Os policiais eram jovens, nunca
tinham ouvido falar. Ele levou o resto
daquela noite para desmanchar o mal entendido.
O que é a ficção científica? É a literatura que prevê o futuro? Não. É a literatura que
olha o presente, vê o presente em movimento, vê o presente como uma forma que
se avoluma, cresce, toma conta do mundo.
Presente e futuro são pontos diferentes de uma única curva. A beleza da
FC é quando ela, usando apenas dois pontos, nos faz sentir a força da curva, a
grandeza da curva, a ameaça terrível guardada em cada curva que se ergue à
nossa frente bela como um tsunami.
S. J. Perelman, escritor e humorista norte-americano,
trabalhou em Hollywood. Numa entrevista
à Paris Review, falou desse período, quando o repórter lhe perguntou sobre
William Faulkner, que também mamou nas tetas do Bezerro de Ouro, por mais
equívoca que seja esta metáfora.
Perelman disse: “Às vezes, num domingo de
manhã, ele passava caminhando em frente à casa em que eu morei, em Beverly
Hills. Eu reparava nele somente porque o simples fato de sair andando, naquela
área, o caracterizava como um excêntrico.
E ele acabou se metendo em complicações. Um carro da patrulha o deteve uma vez e o fez passar um mau
pedaço. A polícia estava convencida de que ele era olheiro de alguma quadrilha
que roubava jóias, e estava sondando as residências elegantes.”
Um dos primeiros contos de Ray Bradbury que li foi “O
Pedestre” (1951), incluído no livro Os Frutos Dourados do Sol. Nele, um homem
sai caminhando à noitinha, no ano de 2053, por uma cidade onde todo mundo está
trancado em casa, vendo TV. Estão desertas as calçadas. Um carro da polícia o
aborda. Ele diz que não fez nada
demais, está apenas caminhando. A
polícia ordena que ele entre, e o leva consigo. “Para onde?”, pergunta ele. E a
resposta: “Para o Centro Psiquiátrico de Pesquisa de Tendências Regressivas”.