quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

3084) Os monstros de Augusto (16.1.2013)






Numa palestra recente na Paraíba, num prolongamento das comemorações do centenário do Eu de Augusto dos Anjos, Ariano Suassuna comentou a obra e o estilo do poeta. Lembrou que o professor de escola pública eleito como “O Paraibano do Século” morreu com apenas 30 anos, e que foi esnobado em vida por muita gente importante, inclusive Olavo Bilac, que ao ouvir falar de sua morte e ler um dos seus sonetos teria proferido a frase fatal: “Não se perdeu grande coisa”. Observou Ariano que desde então a fama de Bilac só fez cair e a de Augusto só fez crescer. Parece até que o urubu que pousara na sorte do defunto se transferiu o poeta do “Caçador de Esmeraldas”.

Ariano fez uma comparação muito perceptiva entre Augusto dos Anjos e Garcia Lorca, talvez um dos últimos poetas com quem alguém compararia Augusto. Lorca era de um vitalismo, uma exuberância, uma alegria de viver, uma sensualidade e uma extroversão que nada têm a ver com o poema do tamarindo.  Mas Ariano observou que ambos são poetas muito mais da imagem do que do conceito. Embora a poesia de Augusto abra muito espaço para o conceito (as reflexões científicas, metafísicas, etc.), ele é tão visual quanto Lorca. Igualmente hábil na conjuração de imagens inesperadas, vívidas, desconcertantes e inesquecíveis. Ariano se referiu ao famoso verso: “Somente a ingratidão, esta pantera, foi tua companheira inseparável...” e disse brincando que plagiou essa pantera de Augusto a vida inteira.

Ele citou também a quadra famosa de “Queixas Noturnas”: “Quem foi que viu a minha Dor chorando? / Saio. Minh’alma sai agoniada. / Andam monstros sombrios pela estrada / e pela estrada, entre estes monstros, ando!”. Ariano usou este verso num dos sonetos (“A Estrada”) do seu ciclo de “iluminogravuras”. Estes versos me lembram um poema dramático de Guerra Junqueiro em que um peregrino caminha pelo mundo rodeado de monstros. Cada vez que ele reza, os monstros tornam-se mais diáfanos, menos materiais, e cada vez que sua fé fraqueja os monstros se revigoram. (Não encontrei este texto na Internet – vou ter que procurar numa biblioteca de verdade.)

O verso de Augusto me sugere tanto o poema de Junqueiro quanto alguma HQ desenhada por H. R. Giger, ou um quadro de Dali. Este é o poder do poema “imagético”: evocar uma imagem sem descrevê-la. Assinalar a presença do monstro, para que o leitor caminhe entre os monstros que ele terá que evocar do seu repertório de referências. Os monstros sombrios existem na memória e na imaginação de cada um, e mesmo que os monstros que eu vejo sejam desconhecidos de Augusto, foram evocados por ele, graças à faísca de sua frase.