A gente fala muito das palavras nordestinas típicas, coisas como oxente, arretado, paidégua, rubacão, alpercata, petisqueiro... Mas existem expressões mais longas, frases-feitas, modos-de-dizer, que são a cara da nossa maneira de falar. Aqui vão mais algumas. Sempre, é claro, com a ressalva de que provavelmente não são exclusividade do Nordeste. Podem muito bem ser usadas há muito tempo em outras regiões e eu é que estou desinformado. Por outro lado, a TV, o cinema e a internet já estão se encarregando há muitos anos de disseminar nossos regionalismos, e hoje a gente tanto escuta um nordestino dizendo “Ô meu!”, porque acha bacana, quanto um paulistano dizendo “Esse menino!” porque acha bacana também.
Então bora lá.
TEMPO DO RONCA
Tempo antigo, remoto, a perder de
memória. "Ah, isso é coisa do tempo
do ronca, ninguém liga mais pra isso não!"
O
"Badalo" é uma terra que tem, aqui em Taperoá, e que só dá
doido! A velha Maria Galdina é de lá, e
vive cantando umas modas-antigas, umas cantigas-velhas, do tempo do ronca e de
Dom Pedro Cipó-Pau!
(Ariano
Suassuna, Romance da Pedra do Reino, Folheto
LXXV)
SE FOR BOM É MEU!
Diz-se esta fórmula mágica
sempre que duas pessoas pronunciam simultaneamente, por acaso, a mesma palavra
no meio da conversa. É tipicamente uma
“simpatia verbal” de moças para adivinhar namoro futuro. Ao soar a palavra, uma
delas exclama: “Se for bom é meu!”, aí contam quantas letras tem a palavra,
fazem a relação desse número com o alfabeto (1=A, 2=B, etc.), obtendo assim a
inicial do provável namorado.
AINDA SE USA
Expressão para cobrar de
alguém a utilização de alguma fórmula habitual de polidez. "Êi, moço!... Vai entrando assim, sem mais nem menos? Com-licença ainda se usa!" "Ôi, e nem me agradece, nem nada? Muito-obrigado ainda se usa!"
...E DANOU-SE
Complemento habitual para
qualquer número impreciso. Uma espécie
de aditivo de quantidade, em expressões como "O pai dele perdeu um milhão
e danou-se, na seca do ano passado."
Bernadete
vivia com Djanira, rapaz. Aquele
mulheraço do Grupo Porta-Voz. Faz
teatro, ela. Tem um metro e danou-se. Os peitos, ó.
A bunda desse tamanho, e pernas e coxas avassaladoras.
(Ricardo
Soares, Nadir, Ed. do Autor, Campina
Grande, 1975, pag. 96-97)
Também se usa: "... e
bote-força". "Não, não sei a idade dele... acho que tem uns trinta e
bote-força. “Fulano ficou de passar lá em casa às dez da manhã, mas quando
apareceu já era meio-dia e bote força”.
SE NÃO FÔR, EU ESTRALE
Usa-se como reforço para
uma afirmativa qualquer. É uma variação sobre a forma mais anódina “Se não fôr,
eu me dane”. “Aquilo é Fulano, lá na
curva da estrada! Olha o jeito de
andar... Se não fôr ele, eu
estrale!” Variantes: “Se não fôr, eu
pipoque!” “Se não fôr, eu estoure! [pronúncia:
“estóre”]”, "Se não fôr, eu choche!" (pron.:
"chóche"].
AMARRE O BURRO ONDE O DONO DO BURRO MANDA
Ao executar um serviço para alguém, deve-se
obedecer sem discussão às ordens do “cliente”, sem questionar sua validade ou
seu propósito. “Eu sei que tem cerveja
gelada, mas me mandaram comprar cerveja quente.
Amarre o burro onde o dono do burro manda.” R. Magalhães Jr. registra: “Amarrar o burro à
vontade do dono” (Dicionário de
Provérbios e Curiosidades. São Paulo: Cultrix, 1964 (2ª edição).
CANTAR O COCO
Diz-se da agitação tormentosa de quem sofre
uma dor insuportável. “Foi chupar
confeito, e um pedacinho caiu no buraco do dente -- deu-lhe uma dor que ele
cantou o coco por mais de uma hora.”
CARA LISA
Cara-de-pau; cara cínica. “Deixe de cara-lisa, eu tenho certeza de que
quem espalhou esse boato foi você.”
“Fulano já me deve dinheiro, e ontem veio pedir mais, com a cara mais
lisa desse mundo.”
TRANQUILO E CALMO
Locução adverbial que significa "com
certeza absoluta, sem a menor dúvida".
"Pode deixar que eu já falei com o Prefeito, e seu emprego vai
sair, tranquilo e calmo". Às vezes
a frase leva a supor que a função é adjetiva: "Não se preocupe não, velho,
que a gente vai ganhar esse jogo tranquilo e calmo"; mas a intenção de
quem fala não é de prever que o time terá uma vitória tranquila, e sim a de
dizer que, por mais difícil ou conturbado que venha a ser o jogo, o time não
deixará de ganhar.
TIRAR O CORPO
Ir embora; cair fora. "Acho melhor a gente tirar o corpo e ir
beber noutro canto, está chegando aí uma turma meio barra pesada." No resto do Brasil, existe o equivalente
“tirar o time”. O imperativo "Tira
o corpo!" tem a mesma função de
"Cai fora!".
-- Certo. Tem
medo de Nadir, né? Pronto. Chegou ela. -- O muito esperado por
ambos. Nadir mostrou-se aborrecida. Trazia outra cerveja.
-- Eu tava
convidando ele pra farinhada na casa do meu cabeludo, Nadir.
-- Tira o
corpo, Ivonete.
(Ricardo
Soares, Nadir, pag. 28)
SEU MENOR CRIADO
Expressão de deferência, meio em desuso,
quando se oferece os préstimos a uma pessoa de respeito. "Muito prazer,
sou Fulano de Tal, seu menor criado".
Quando eu cheguei na fazenda
vi logo um homem deitado
apertou-me a mão e disse
sou um seu menor criado
poeta e cantador
João Barraca, falado.
(Severino Borges da Silva, Peleja de Severino Borges com João Barraca)
Me
diga como vai sua distinta família
Como vai aquela jóia que é sua linda filha
Como vai seu filho, tipo do rapaz perfeito
E sua senhora, lhe transmito meu respeito
Amigo velho, foi prazer ter lhe encontrado,
Eis aqui um forte abraço desse seu menor criado
(Rosil
Cavalcanti, “Amigo Velho”, gravação de Luiz Gonzaga)