(ilustração: Bleu Turrell)
Um dos pontos de discórdia irremediável entre a Religião e a
Ciência é a questão da criação. A religião afirma que Deus é o responsável por
tudo que se cria no mundo, e a ciência afirma que o homem não somente pode,
como também deve criar coisas novas.
A religião quer manter sua jurisdição sobre tudo que acontece, inclusive sobre as escrituras sagradas. Para os cristãos, a Bíblia não foi escrita pelos escribas, profetas e evangelistas, e sim pelo Espírito Santo. Para os muçulmanos, o Corão não é um objeto, é um dos atributos de Deus, assim como a sua onisciência e sua misericórdia.
A religião quer manter sua jurisdição sobre tudo que acontece, inclusive sobre as escrituras sagradas. Para os cristãos, a Bíblia não foi escrita pelos escribas, profetas e evangelistas, e sim pelo Espírito Santo. Para os muçulmanos, o Corão não é um objeto, é um dos atributos de Deus, assim como a sua onisciência e sua misericórdia.
Quando no romance de Mary Shelley o doutor Frankenstein
criou a vida em laboratório, estava incorrendo no maior dos sacrilégios, o de
assumir para si um direito que era apenas de Deus.
Somente Deus podia criar a vida; ao criá-la, Frankenstein estava pirateando a criação “na garagem de casa”, gerando um produto para o qual a Divindade tinha monopólio de fabricação.
Somente Deus podia criar a vida; ao criá-la, Frankenstein estava pirateando a criação “na garagem de casa”, gerando um produto para o qual a Divindade tinha monopólio de fabricação.
Há um texto de Martinès de Pasqually (1727-1774) que toca
nessa questão, em seu Tratado da Reintegração. Diz ele:
“Para procriar a sua semelhança corporal, tu não tens recurso a outros princípios senão aqueles das essências espirituosas que te são inerentes; e se quiseres, por iniciativa tua, empregar princípios opostos a tua substância de ação e de operação espiritual divina e temporal, disto não resultará a reprodução, ou, se isto acontecer, ela terá ocorrido sem participação divina, e será colocada entre as fileiras dos brutos; será mesmo considerada como um ser sobrenatural, e causará repugnância a todos os habitantes da natureza temporal.”
“Para procriar a sua semelhança corporal, tu não tens recurso a outros princípios senão aqueles das essências espirituosas que te são inerentes; e se quiseres, por iniciativa tua, empregar princípios opostos a tua substância de ação e de operação espiritual divina e temporal, disto não resultará a reprodução, ou, se isto acontecer, ela terá ocorrido sem participação divina, e será colocada entre as fileiras dos brutos; será mesmo considerada como um ser sobrenatural, e causará repugnância a todos os habitantes da natureza temporal.”
De acordo com esta ótica, a monstruosidade da criação de
Frankenstein não reside no corpo bizarro, mas na ausência de alma, pois não foi
criado pela Divindade.
É curioso que esse debate se dê nos mesmos termos com que hoje em dia discutimos propriedade industrial, pirataria, etc. O monstro de Frankenstein é um produto sem alma, ou seja, sem o código-de-barras ou o ISBN ou o selo-do-IPI ou qualquer outra formalidade atestando que aquele produto foi feito por quem tem a autorização exclusiva de fabricação.
É curioso que esse debate se dê nos mesmos termos com que hoje em dia discutimos propriedade industrial, pirataria, etc. O monstro de Frankenstein é um produto sem alma, ou seja, sem o código-de-barras ou o ISBN ou o selo-do-IPI ou qualquer outra formalidade atestando que aquele produto foi feito por quem tem a autorização exclusiva de fabricação.
O monstro de Frankenstein é o precursor do uísque fabricado na banheira durante a Lei Seca, do livro impresso e vendido sem autorização da editora, do CD ou DVD da gravadora ripado dentro de casa, da bolsa Vuitton comprada na Rua da Carioca.