Realidades Adaptadas é a coletânea de contos de Philip K.
Dick lançada há pouco pela Editora Aleph, de São Paulo, dentro da sua ótima linha
de clássicos da ficção científica. Esta
coletânea é talvez única no mundo, pois embora os sete contos incluídos aqui
tenham sido republicados em numerosas revistas e antologias, este é o único
volume que reúne especificamente histórias que foram adaptadas para o cinema.
(Por questões de espaço estão ausentes, claro, os romances que foram filmados,
como Blade Runner e outros.) Depois da morte de Dick em 1982, o mesmo ano de
lançamento de Blade Runner, sua obra foi redescoberta ao mesmo tempo pelo
público e pela crítica. É engraçado ver
hoje nas edições da prestigiosa Library of America, cercados de aparato
conceitual e teórico, livros que tiveram sua primeira edição em formato de
bolso, com capas de “pulp fiction”. O
prêmio Philip K. Dick, concedido anualmente, é destinado ao melhor livro cuja
primeira edição saiu no menosprezado formato de bolso, ou “paperback”.
O mais interessante nesta antologia é avaliar a distância
que vai, por exemplo, do conto original “Lembramos para você a preço de
atacado” ao filme O vingador do futuro, com Arnold Schwarzenegger (não vi
ainda a refilmagem recente). O conto original é apenas o ponto de partida – um
operário paga para receber um implante de falsas memórias em que ele é um
espião que retornou de uma missão secreta em Marte, mas a partir de certo ponto
não sabemos mais se isto aconteceu de fato ou se a tentativa de implante
despertou memórias reais porque ele era de fato um espião.
Essa ambiguidade do “real recordado” é discutida por Freud e
por inúmeros psicólogos, que desmascaram o modo como estamos o tempo inteiro
reescrevendo as coisas que lembramos.
Evocar um fato da infância, por exemplo, é como abrir um arquivo no
computador e olhar o que tem dentro. Ao fechar de novo o arquivo, nós o
salvamos com quaisquer alterações que tenhamos feito, mesmo sem querer, durante
o acesso. Quanto mais vezes acessamos uma recordação, mais ela vai se
contaminando de interpretações, associações de idéias que não estavam presentes
no momento original, comparações com outras memórias. A tal ponto que é
frequente a gente lembrar com nitidez absoluta de uma coisa que não aconteceu.