Era uma vez um cara que morava perto da linha do trem, e costumava ficar às vezes sentado no chão, perto dos trilhos, pensando na vida. Um dia ele estava distraído, com a perna esquerda em cima dos trilhos, e o trem passou e arrancou a perna dele. Grande comoção na família, que se mobilizou, fez lista de doações, livro-de-ouro, o escambau, e levantou um milhão de cruzeiros (a história é antiga) para poder dar a ele uma caríssima perna artificial. Foi feito, e a vida voltou à normalidade. Uma tarde, ele estava mais uma vez sentado junto da linha do trem, desta vez com as duas pernas em cima dos trilhos. À distância, o trem apitou para avisar que se aproximava. Ouvindo o apito, ele deixou a perna de carne e osso em cima do trilho e afastou a outra, comentando: “Esta aqui me custou um milhão de cruzeiros!”.
Esta é uma das piadas mais antigas que me lembro de ter
escutado. Marcou minha infância, e me fazia rir muito. Quando comecei, já por
volta dos vinte-e-tantos anos, a refletir sobre o humor e os processos que ele
utiliza, percebi que cada vez que pensava nela surgiram novas associações de
idéias. A mais importante, acho, é que ela é uma metáfora terrível da nossa
época. A gente tende a valorizar o que conquistou com esforço próprio, não o que
trouxe de nascença. A gente valoriza mais a tecnologia do que a biologia, mais
a civilização do que a natureza. (Um amigo já me disse: “eu cuido melhor do meu
computador do que de mim”.) E com isso corre o risco de ficar sem as duas. É
uma boa fábula moral para este Brasil que, segundo Glauber Rocha, “pode beber
água de coco de graça, mas prefere pagar por uma Coca-Cola”.