(ilustração: José Oiticica Filho, 1953)
Por mim, podia ser um gênero literário à parte. Nítido, com
um conjunto de situações essenciais, de premissas capazes de abrir para o autor
um infinito de possibilidades para a exploração de lugares, pessoas, tipos,
situações bizarras ou patéticas. Estou
me referindo ao Romance da Pessoa Desaparecida, que tanto pode acontecer do
ponto de vista dos que procuram esse indivíduo quanto do ponto de vista do
próprio desaparecido, em sua nova condição.
Desaparecer significa sumir sem deixar rastro nem notícia,
sumir sem ser mais alcançado por nenhuma das pessoas com quem se tinha vínculos
(família, amigos, trabalho). Às vezes,
a pessoa aproveita uma circunstância fortuita para trocar de identidade e se
fingir de morto (O Passageiro: Profissão Repórter, de Antonioni). O conto
“Wakefield” de Nathaniel Hawthorne (que incluí na minha antologia Contos
Fantásticos no Labirinto de Borges) fala de um homem que some de casa e fica
vigiando a esposa durante anos, às escondidas.
Não vou incluir, neste capítulo, pessoas que foram
simplesmente assassinadas e seu corpo nunca foi localizado. Meu interesse é por pessoas que tomaram a
decisão de sumir, sumiram, estão vivas e incógnitas. Sumiram por dívidas, por desespero, por problemas familiares, por
aventura, por desorientação mental, não importa. É a famosa pessoa que sai para
comprar cigarros e nunca mais se sabe dela, que pegou um ônibus e não chegou ao
destino, que limpou a conta no Banco e evaporou-se.
O romance Quarenta Dias de Maria Valéria Rezende cria sua
variante: uma mulher começa a tentar localizar, numa cidade que mal conhece,
uma pessoa de quem só sabe o nome e que parou de dar notícias à família. E nessa busca, ela própria, que está vivendo
uma vida meio troncha, de expectativas cortadas, numa meia-idade meio sombria,
percebe que para tentar achar um desaparecido é preciso desaparecer
também.