Chamo-me Gunther Schneider, e trabalho num conglomerado financeiro com sede em Munique. Moro num apartamento de seis quartos com minha esposa Greta, um casal de filhos e um cachorro “husky siberiano” chamado Flash. Assumi esta semana o posto de CEO (Chief Executive Officer, assim mesmo, em inglês) do grupo, com a missão de fazer uma varredura em suas finanças. O CEO anterior foi demitido por roubalheira, e além do mais, bebia. Nos últimos dois anos o grupo perdeu seis posições no ranking. Estou aqui para botar a casa em ordem.
É uma manhã fria de segunda-feira, e recebo no meu escritório climatizado o grupo de auditores que “deu uma geral” na gestão anterior. Estive em contato permanente com eles por um mês; agora assumi oficialmente o cargo, e hoje é o primeiro dia de tomar decisões. Cumprimento a todos, peço águas e cafezinhos. Dieter Bohrmann, o porta-voz da equipe, um rapaz de rosto magro e óculos espessos, me estende duas folhas de papel grampeadas, com uma lista de 52 itens. Do 1 ao 30, estão em tinta azul; do 31 em diante, em vermelho. São os investimentos que estão dando prejuízo.
Percorro a lista com os olhos. Já vi do que se trata a maioria, e já sei o que vou fazer. Lá perto do fim vejo um nome desconhecido e pergunto o que é. Dieter responde: “É a editora brasileira que compramos em 2003. Pareceu um bom investimento na época”. Surpreendo-me: “Publicam-se livros no Brasil? Pensei que apenas jogavam futebol e dançavam o samba”. Dieter retruca: “É um mercado promissor. Os espanhóis estão entrando lá com tudo”. Peço detalhes, ele remexe na pasta, me entrega algumas planilhas.
Examino aquilo como um médico vendo um raio-X de um alienígena enfermo: sem saber que procedimento aconselhar. Os nomes próprios, ilegíveis, parecem todos iguais. “É grande o prejuízo?”, pergunto. “Mediano. Investiram muito, compraram muitos títulos estrangeiros, lançaram muitos títulos nacionais. Há quatro anos nos garantem que em um ano sairão do vermelho. E não saem.” “Quanto custa para fechar?” “Pagando os custos trabalhistas e jurídicos, e vendendo o catálogo e os bens, fica uma coisa pela outra”.
Vou até a janela. Lá fora, a neve se deposita em flocos suaves sobre o parque, sobre a arquitetura sólida dos ministérios da Blümerstrasse. Tenho 22 itens vermelhos para eliminar da minha lista, e é bom começar mostrando serviço. Viro-me para os auditores e digo: “Então, fecha”. Todos concordam num gesto breve de cabeça que parece ensaiado; Dieter pega sua cópia da lista e rabisca alguma coisa. “O próximo,” peço. Ele consulta a lista e diz: “A mina de diamantes em Angola.” Surpreendo-me de novo. Extraem-se diamantes em Angola? São 8:15 da manhã, e tenho até as cinco da tarde para decidir 22 itens. Estou ganhando quase o dobro do salário do sujeito a quem substituí. Sou um CEO. Estou aqui para resolver problemas, e quero ser uma mulata sambando se esses problemas não fôrem resolvidos.