O escritor Kurt Vonnegut Jr. tem um livro intitulado Wampeters, foma and granfalloons. É uma coletânea de ensaios, artigos de jornal, conferências, etc. As palavras do título foram tiradas do seu romance Cat´s Cradle. Elas mostram como nossa língua (e aqui se incluem a língua inglesa e a língua portuguesa) não é de jeito nenhum um sistema completo. Existem idéias para as quais não temos palavras, ou melhor, ainda não temos uma palavra específica.
O que é um “wampeter”? Não, amigo, não tem nada a ver com Vampeta, o bravo meio-campista da Seleção, que passou por tantos clubes e hoje joga no Brasiliense. Um “wampeter”, segundo Vonnegut, é um objeto em volta do qual giram as vidas de pessoas que não têm nada em comum além deste fato. Ele dá como exemplo o Santo Graal, um objeto mítico que tem sido procurado, estudado e discutido por pessoas de todos os países e de todas as épocas. Outros exemplos de wampeters poderiam ser, talvez, o monstro do Lago Ness e a “Pedra do Reino” de Belmonte. O grupo de pessoas cujas almas giram em torno de um wampeter é chamado de “karass”, e “assim como não existe uma roda sem um eixo, não existe um karass sem um wampeter".
“Foma” (e aqui eu fico em dúvida se a palavra é masculina ou feminina) são mentiras inofensivas destinadas a confortar os espíritos simplórios. Como exemplo de foma, Vonnegut cita frases do tipo “a prosperidade está ali na esquina”. Nossas coleções de provérbios e frases-feitas estão repletas de fomas: “Deus ajuda a quem trabalha”, “Antigamente era muito pior”, etc. Já um “granfalloon” é, segundo Vonnegut, um agrupamento pomposo e sem sentido de pessoas, uma associação irrelevante que serve apenas para dar um senso de importância àqueles que participam dela. Muitos dos nossos clubes sociais e associações culturais e políticas, sem dúvida, se enquadram nesta categoria.
Palavras assim podem até dar trabalho a um tradutor. (Eu as traduziria com “um vampeta”, “um(a) foma” e “um granfalão”) Mas elas são necessárias à língua, porque exprimem conceitos nítidos que antes tínhamos que referir por aproximação. É como “ciberespaço”, criada por William Gibson para definir o espaço virtual por onde passeia a mente conectada a uma rede de computadores. É curioso que o maior criador de palavras novas em nossa literatura, Guimarães Rosa, não tenha conseguido transportar nenhuma delas para nossa linguagem cotidiana. Não consigo me lembrar de nenhuma palavra rosiana que tenha passado a fazer parte do vocabulário, se não das pessoas da rua, pelo menos da comunidade literária. Usa-se “nonada”, mas esta, pelo que sei, era uma palavra já existente que ele trouxe de volta à circulação. Parece até que as pessoas têm pudor de usar criações tão personalizadas quanto as de Rosa. A maior homenagem que se poderia fazer a ele seria incorporar ao dicionário os milhares de pequenas invenções que ele nos deixou.