sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

3736) Bartolomeu e Sueli (13.2.2015)



(ilustração: Marion Fayolle)

Não, rapaz, eu posso afirmar a você, não foi culpa nem de Bartolomeu nem de Sueli.  Eu era amigo, convivi com um e com outro antes mesmo deles se conhecerem. Acompanhei tudo. À distância, claro, mas a gente convivia.  E tem mais: pelo grau de amizade, eu não saía apenas com o casal. Às vezes saía para tomar uma cerveja a sós com ele, tínhamos nossos papos de livros e de futebol.  E outras vezes era com ela, porque dávamos aula no mesmo curso, e mil vezes dei carona, tínhamos uma conversa legal sobre política, música, essas coisas.

Culpa não sei, porque ninguém tem culpa de nada.  Se quer mesmo a minha opinião.  Só existe culpa quando existe dolo, intenção de prejudicar, de fazer o mal a alguém.  E muitas vezes o mal que é feito nasce de ruído de comunicação, nasce de uma síndrome-de-Babel em que a gente não só não se entende como nem percebe que está sendo assim, aquilo vira uma bola de neve, no fim dá no que deu. Gosto nem de pensar.

Bartolomeu me perguntou certa vez: “Você acha que Sueli é minha Mega-Sena?”.  Eu dei de ombros, meio em cimão do muro, porque ela não era propriamente uma capa da “Trip”, mas falei: “Rapaz, tem gente que roda a vida toda e não consegue o que tu tem. Aproveita.”  Sueli era um doce, apesar de teimosa com certas coisas, mas me falou certa vez, numa festa junina, no sítio de um professor da faculdade: “Meuzinho é trabalhoso, sim, mas homem que não é trabalhoso não merece confiança”. Não sei porque ela disse isso, achei na época que era um elogio, e era, porque todo mundo o achava meio bobo, mas agora, depois do que ocorreu, eu estou relativizando tudo.

Casal é uma química que nem os dois envolvidos entendem. Como é que a torcida, lá de cima da arquibancada, vai entender?  Não, amigo, pense num mistério. Quando se vê um filme não se visita coxias nem camarins. Ninguém assiste o drama entre quatro paredes, ninguém lê os pensamentos que até quem pensou procura tirar da cabeça o mais depressa possível, ninguém vê o vulcão por baixo da geleira, a ratoeira em volta, só vê queijo.

Hoje é fácil todo mundo dizer que estava destinado a acabar assim.  E Sueli era uma pessoa tênue, maneira. Pra onde o tempo e o vento a assoprassem ela derivaria em paz.  Se o final foi como foi, então palmas para o que foi.  Deixa cada um saber lidar com o momento.  Parece auto-ajuda, mas é somente calo, é cicatriz, é cascão.  Chega às vezes um momento em que o mundo, que parecia cheio de problemas, revela um problema único e final. E só então aquela pessoa percebe que até então estava vivendo o seu melhor momento, tornado ainda melhor pela esperança real de que dali para a frente ficasse tudo assim.