A grande maioria das pessoas que escrevem poesia não está se preocupando muito com a criação de grandes obras de arte.
As pessoas escrevem poesia para desabafar. Para tentar
interpretar os próprios sentimentos. Para captar o sentido de algo que acontece
nas suas vidas. Para experimentar novas formas de dizer. Pelo prazer de criar
diferentes estruturas verbais. Para dizer coisas que serão necessariamente
lidas com atenção por outras pessoas de seu círculo social.
Somente um número reduzido de pessoas-que-escrevem-poesia
pensam em seguir uma carreira poética formal: publicar livros, ganhar prêmios,
dar entrevistas, fazer parte de academias, etc.
A poesia lírica (porque é a ela que me refiro, por ser
muito mais cultivada entre nós do que a épica ou dramática) é uma atividade
paraliterária, entre nós. Faz parte da Cultura Informal, e só uma pequena parte
dela passa a fazer parte da Cultura Formal: livros publicados por editoras
profissionais, poemas estudados em escolas, matérias na imprensa, participação
em eventos (palestras, oficinas, feiras do livro, etc.).
Vivemos numa sociedade tão obcecada pelos conceitos de
“sucesso”, “profissionalismo”, “mercado”, “fama”, “reconhecimento público”, que
temos dificuldade em ver na poesia o que ela sempre foi em todos os
tempos: um meio de expressão essencialmente pessoal, individual, destinado a
círculos concêntricos de expansão, que muitas vezes não atingem mais do que
algumas centenas de pessoas.
É para isso que a poesia existe, e não para as listas de
best-sellers, a consagração das teses acadêmicas ou a honraria dos prêmios
literários.
Rainer Maria Rilke, em suas Cartas a um Jovem Poeta (1929) deu alguns dos conselhos mais
elementares e mais importantes que se pode dar a quem escreve poesia. Toda vez
que alguém me pede conselhos, indico esse livro. Não porque exprima exatamente
o que eu próprio penso, mas porque pode servir a quem quer levar a poesia a
sério. Um desses conselhos era algo como: só escreva se sentir uma necessidade íntima muito forte, se não puder deixar de escrever.
Não estou falando em publicar livros, nem em ganhar
dinheiro, nem em sair no jornal. Estou falando em ter uma forma criativa de
expressão pessoal. Uns têm na música, outros têm no esporte, outros têm no
romance, outros têm no desenho ou na pintura...
Isso abre caminho também para o que a gente considera “a
Poesia Menor”. É a poesia feita por poetas modestos, que jamais ganharão
prêmios ou aparecerão em antologias, e que às vezes serão lidos com desdém
pelos críticos mais exigentes.
Não há vergonha nenhuma em seu um Poeta Menor num país
onde os Poetas Maiores são pessoas como Cecília Meireles, Carlos Drummond de
Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar...
O próprio Manuel Bandeira, considerado Poeta Maior por tantos
(por mim, inclusive), dizia, num acesso de melancolia: “Sou Poeta Menor,
perdoai!...”
Comentando as sucessivas e incontroláveis safras de poetas
menores que brotam (felizmente) em nosso país, dizia Wilson Martins (História da Inteligência Brasileira,
vol. VII, p. 422):
Entre os demais, nem todos haviam lido as Cartas a um Jovem
Poeta, e aqueles que o fizeram parecem havê-las rapidamente esquecido:
contudo, correspondendo à necessidade vital de escrever, no plano restrito de
cada um (claramente inexistente na origem de numerosos volumes de poesia), há
uma circunstância de ordem coletiva, geralmente e erroneamente menosprezada:
esses poetas que escrevem sem necessidade criam o ambiente que determina a
necessidade de escrever para os verdadeiros poetas e a necessidade de ler para
os leitores de poesia. (...)
Existe sem dúvida, nisso que chamamos de ambiente
literário, aquele velho princípio de que a quantidade gera qualidade. Não gera
espontaneamente, claro: mas uma certa quantidade de pessoas lendo e escrevendo
poesia conduz sem dúvida a uma troca de idéias mais intensa, um
compartilhamento de leituras, de opiniões, aquelas conversas intermináveis onde
se forma a intuição poética: “isso é bom, isso é ruim, isso está mal/bem
escrito, isto é melhor do que aquilo, olha isto aqui como é diferente de tudo...”.
[A] história literária não seria diferente se muitos livros de
poesia tampouco houvessem aparecido. A vida literária, entretanto, seria
diversa, talvez menos rica e, com certeza, menos exigente, porque são as obras
inferiores que nos permitem reconhecer as outras e aspirar por elas.
Ler os grandes poetas ajuda a elevar o nível de
pensamento, de sensibilidade e de execução de todo mundo, inclusive dos poetas
menores.
E ao mesmo tempo não existe livro de poeta menor que não contenha
um grande poema. Não existe poema fraco que não contenha pelo menos um verso
memorável. Não existe obra cuja leitura seja totalmente desperdiçada.
Wilson Martins vai ainda mais adiante, e lembra que os
próprios conceitos de Poesia Maior e Poesia Menor são fluidos e jamais
definitivos:
[A] dialética da criação é mais complexa e, certamente, mais
contraditória do que pensaríamos à primeira vista, se é certo, por outro lado,
que os julgamentos de valor também têm muito de histórico e conjuntural, o que significa
terem muito de conjetural.
O fato é que Olavo Bilac desdenhou com sarcasmo dos poemas
de Augusto dos Anjos; que modernistas como Drummond ou os Andrade foram
sistematicamente ridicularizados por anos a fio; que ninguém hoje em dia (a não ser eu) lê Olavo Bilac a sério; que ainda há quem pense que escrever sonetos é
indício de debilidade mental; e quem pense que o soneto é o único tipo elevado
de poesia. Há quem ache a poesia concreta uma palhaçada, e há quem ache que
palhaçada é todo o restante.
Não importa. Quem faz poesia como um meio de expressão
pessoal lê muito, pensa muito, conversa muito, escreve muito e publica pouco.