quarta-feira, 11 de novembro de 2015

3969) Para contar histórias (12.11.2015)



(ilustração: John Holcraft)

De vez em quando comento aqui os conselhos técnicos de escritores e roteiristas sobre a arte da narrativa. Não existem conselhos, regras ou preceitos universais. O que serve num caso não serve em outro. O que serve para literatura não serve para roteiro, e o que serve para teatro não serve para quadrinhos.

Se você quiser contar a mesma história em cada uma dessas linguagens vai ter que começar do zero em cada caso. Não importa se é a história do Dilúvio, a de Rumpeltiltskin, a da Guerra de Canudos ou a do macaco e o leão.

Emma Coats, roteirista da Pixar, tuíta de vez em quando pequenas pílulas de advertência técnica. Parecem coisas bobas ou óbvias, mas o escritor/roteirista principiante é mais consciente dos grandes problemas do que dos pequenos. É como um cara que vai fazer um rally pelo deserto, comprou GPS, traçou plano de navegação... e pode até desdenhar conselhos bobos como “leve um estepe” ou “encha o tanque”. Mas é na falha do óbvio que os grandes projetos desmoronam.

Diz Emma: “Simplifique. Mantenha o foco. Pule os desvios. Você vai pensar que está desperdiçando um material valioso mas isto o deixa livre.”

Anos atrás eu estava escrevendo algo, estava ansioso para mostrar o que ia acontecer quando o personagem chegasse a um Castelo, mas o diabo do personagem não chegava de jeito nenhum. Cada noite que eu sentava para escrever ele parava pra dar de beber ao cavalo, pra pedir informações aos camponeses na beira da estrada, para dormir, para comer... Era como um desses videogames onde não existe teleporte e você tem que percorrer fisicamente todas as distâncias. Foi com um grito de libertação que um dia perdi a paciência e escrevi: “E assim foi o trajeto de Fulano até o dia em que, numa curva do caminho, viu o Castelo à sua frente.”

Fiquei com um pouco de remorso por não fazer o relatório do que aconteceu a ele em todos os minutos da viagem, mas a verdade é que nada daquilo tinha interesse para a minha história. Bastaram alguns parágrafos, dando uma idéia do ambiente, da cavalgada, e pulei logo para o Castelo. Não precisava daquelas dez laudas que escrevi e depois tive que jogar no lixo.

Literatura tem algumas frases mágicas. Uma delas é “Vários dias depois...” Você não precisa contar ao leitor o que aconteceu nesses vários dias, a menos que tenha acontecido algo relevante para a história. Se não for o caso, pule direto para o próximo fato importante. O leitor não vai notar, e se for um leitor experiente vai até agradecer.

Eu resumiria o conselho de Emma Coats na fórmula: “Escreva somente o que for necessário para a história que você está contando.”