Em 1907, Mark Twain estava de passagem por Londres, indo
para Oxford, onde receberia um título “honoris causa”, e aproveitou para se
encontrar com seu amigo Bram Stoker. Os dois conversaram sobre vários temas e
Twain deu conselhos ao autor de Drácula sobre como escrever histórias
fantásticas: “A única maneira de escrever histórias de bruxaria é surrupiá-las
por inteiro da obra de Balzac. O francês atingiu a perfeição em um dos seus
‘Contes Drôlatiques’... conheço uma livraria no Strand onde você pode comprar
uma edição pirata, reproduzida por câmera fotográfica, por apenas meia coroa”.
Esse detalhe, reproduzido na biografia de Barbara Belford
(Bram Stoker, Phoenix Giant, 1996), dá uma pista da desenfreada pirataria de
livros que alimentava os grandes mercados editoriais do Ocidente há cem anos.
Se entendi bem, os piratas não se davam o trabalho de recompor um livro no
linotipo: fotografavam a página aberta em duas, e reproduziam as imagens,
certamente com um mínimo de qualidade que pelo menos permitia a leitura. Mais
ou menos como a galera pirateia filmes inteiros hoje em dia levando câmaras (ou
mesmo celulares) para o cinema (todo mundo já viu piratas onde se avistam as
cabeças dos espectadores à frente da imagem).
Twain e Stoker já tinham sido sócios numa empreitada
editorial falida do primeiro. Twain foi uma espécie de Monteiro Lobato –
torrava todo o dinheiro dos seus best-sellers em empreitadas editoriais
mirabolantes, que acabavam dando com os burros nágua. Em 1898, ele convenceu
Stoker e seu patrão, o grande ator Henry Irving (dono do teatro Lyceum, do qual
Stoker era o gerente), a comprar ações do projeto de uma máquina de composição
tipográfica (o “Paige Compositor”) que concorreu com o linotipo lançado por
Mergenthaler, e foi derrotada por ele. Twain trabalhou muitos anos como tipógrafo, e
era um entusiasta dos novos modos de produção gráfica – consta que a primeira
obra literária que chegou à editora numa versão datilografada foi o seu Vida
no Mississippi (1883).