Meu romance policial predileto é o romance detetivesco
clássico, de mistérios intrincadíssimos e barrocos, à maneira de Ellery Queen,
John Dickson Carr ou S. S. Van Dine. Nem por isso deixo de gostar do romance
policial realista, centrado em ações e emoções humanas verossímeis. Comecei
agora a ler as aventuras do Comissário Montalbano, escritas pelo italiano Andrea
Camilleri ( A Forma de Água, 1994; A Paciência da Aranha, 2004), e
ambientadas em Vigata, uma cidade imaginária da Sicília.
Montalbano não vive trocando socos como Philip Marlowe e
outros. Nos dois romances que li ele não dispara um tiro, e acho que não briga
uma vez sequer. Tem uma namorada que mora em outra cidade e o visita às vezes;
vão para a cama, cozinham, bebem, brigam, fazem as pazes, como qualquer casal.
Como Marlowe, ele é capaz de encontrar em sua cama uma mulher linda, nua, e
mandar que ela se vista. Mora sozinho, tem uma criada que vai lá e dá uma geral
de vez em quando. Gosta de cozinhar para si mesmo. Seu temperamento é brusco,
emotivo mas contido, impaciente com a burrice ou a canalhice alheia. Trabalha
bem em equipe com os outros policiais, mas tem um certo desdém pelos
superiores.
Detetivescamente, Montalbano é observador, metódico, gosta
de pegar o carro e sair checando pessoalmente cada detalhe dos casos que
investiga. Um dado curioso é seu envolvimento emocional com o processo
dedutivo. Faz muitas de suas descobertas analisando sua própria reação
emocional ao se defrontar com as pistas ou interrogar os suspeitos. Certas
coisas o inquietam sem que ele saiba por que; ficam remoendo em sua cabeça, até
que por uma associação de idéias ou um fato fortuito tudo se encaixa e a
explicação aparece. Seu método é o de checar pistas, conversar com todo mundo
(ele tem uma percepção afiada da natureza humana e da mentalidade dos seus
conterrâneos).