domingo, 25 de julho de 2010
2303) A Mulher da Torre (25.7.2010)
Uma enchente do rio tinha destruído há mais de dez anos uma banda inteira de Bom Jesus do Agreste. Ninguém voltou a construir por lá, e o tempo foi esfarelando as ruínas, deixou somente o resto da igrejinha com a torre ainda de pé. A paróquia fez outra igreja num lugar seguro. Muitos anos depois, numa noite estrelada, Antõe Berto, camioneiro, vinha voltando para casa com a mulher quando os dois pensaram ter visto uma luz na torre arruinada. Chegaram perto e viram, lá em cima, através de uma parede caída, uma luz amarela e uma mulher envolta numa espécie de mortalha, olhando para eles. Antõe quase enfarta, a esposa o fez apressar o passo para casa. O filho mais velho saiu à rua de calção, esfregando os olhos, e quando viu a Mulher saiu correndo; com isso, a Mulher sumiu.
Foi vista dias depois por Marco de Zezé, que deu a mesma descrição dela; e depois pelos irmãos Cassimiro; e de pouco a pouco foi vista por todo mundo. Era sempre a mesma coisa: uma noite qualquer, alguém via de longe a luz na Torre, chegava perto, e daí a pouco lá estava a Mulher no meio da luz. Durava poucos minutos, aí a Torre voltava a ficar vazia e escura. Examinaram o local várias vezes, com cuidado, porque a escada não merecia fé, e nada encontraram de estranho. O vigário viu, também, e ficou rezando até a Mulher sumir, o que ele atribuiu à reza, é claro. No dia seguinte subiu lá armado dos sacramentos e fez uma persignação, uma ablução, uma limpeza, tudo que o Rito Romano o autorizava a fazer. Uma semana depois a Mulher da Torre apareceu de novo, como se nada tivesse acontecido.
Mas Nena de Seu Raimundo não conseguia ver a Mulher. Cada vez que ela aparecia, bastava o primeiro alerta (Mizinho, o filho de Antõe Berto, combinou com todo mundo um apito como sinal) e todos corriam para ver a Mulher. Nena era uma moça-velha, irmã da Míriam, dona da locadora. Desde as primeiras noites correu para lá e ficava: “Mas minha gente, vocês tarão doidos? Que mulher? Mulher aonde, pelas caridade?” Todo mundo via menos ela. Gente que vinha de fora viu; velho viu, criança viu, até Seu Cincinato, o ateu da vila, teve que confessar que viu também, mas disse que o nome daquilo era alucinação coletiva. Toda vez que o apito tocava, Nena era a primeira que ia. Todo mundo apontava: “A lá! A lá! Lastaela! Levantou o braço!” Seu Raimundo resmungou que ela precisava de médico. A mãe começou a ralhar com Nena, dizendo, “se é pra fazer a gente passar vergonha, melhor ficar em casa”. Nena não entendia aquilo, passou a chegar por último quando tinha a aparição. Ficava lá atrás do povo, olhando: e a única coisa que via era aquela torre escura, abandonada, e o povo apontando o dedo e rezando. Foi murchando, a pobre da Nena. Parecia um castigo, um olho ruim, um abantêsma pousada na vida da pobre. Definhou e morreu antes do fim do ano. E de quem foi a culpa? Foi da Mulher da Torre, é claro.
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