A Inteligência Artificial está dando seus primeiros
vagidos no mundo da Inteligência Biológica. Uma de suas manifestações em
crescente popularidade são os programas online que produzem ilustrações
obedecendo a comandos verbais dos usuários. Os propósitos mais secretos ou
discretos não posso avaliar daqui, a não ser em termos de Teorias da
Conspiração. Vou falar somente da parte lúdica e aberta ao público em geral.
Você vai lá no saite, e dá uma instrução verbal (em
inglês) dizendo a imagem que você quer. O programa tem uma base de dados de
milhões de imagens, que ela busca, reúne e recombina, criando imagens de acordo
com o pedido.
Se você pede “Carlitos fumando, montado numa bicicleta,
em cima dos anéis de Saturno”, ela junta essas informações e faz uma espécie de
colagem. O programa simplesmente anota os ingredientes, e os combina da maneira
solicitada.
O DALL-E é um desses programas. Ao que parece, o nome é
uma mistura do desenho animado “WALL-E” com “Salvador Dalí”.
Pedi: “A pink camel smoking a pipe” (um camelo
cor-de-rosa fumando cachimbo). Recebi o resultado abaixo. (O DALL-E, tipicamente
fornece nove opções ligeiramente diferentes entre si.)
Depois forneci um verso de um poema surrealista meu: “The
frozen priest is wandering through mercurial woods” (o padre gelado viaja na
floresta mercurial). O resultado é este:
Os resultados do Dall-E ainda são tímidos comparados com
o Midjourney, que está aberto a estímulos criativos do público desde julho
deste ano. Mais sofisticado em termos de qualidade de imagem, o Midjourney
oferece vários planos de acesso. O mais simples deles, gratuito, permite um
número limitado de consultas por mês. Pagando um caraminguazinho, o leitor tem
acesso a mais recursos e número maior de experimentações.
Fui lá, por que não? E por uma questão de método
científico submeti minhas duas receitazinhas (always in English) ao outro
programa. Eis o que o Midjourney me forneceu (tipicamente, ele fornece quatro
variantes da imagem sugerida, em vez de nove):
Um camelo cor de rosa fumando cachimbo.
O padre gelado viaja na floresta mercurial:
Observem que todas estas minhas imagens, postadas acima,
são um mero rascunho. Os programas oferecem a opção de retrabalhar, modificar,
aperfeiçoar extensamente cada uma delas. Estou postando aqui apenas para dar
uma idéia. Essas imagens podem ficar muito melhores – e se a gente vai lá,
principalmente no saite do Midjourney, vê alguns trabalhos que são de cair o
queixo.
Amigos meus estão dando um banho de criatividade,
explorando os recursos do Midjourney, e a frase “desemprego em massa dos
ilustradores profissionais” vem sendo murmurada por entre doses de absinto nos
bares de todo o Hemisfério.
Quando pensamos em Inteligência Artificial, a imagem que
nos vem à mente é uma imagem centralizada, personificada, antropomórfica, a
imagem meio abstrata de uma Inteligência gigantesca que nos examina, nos
conhece a fundo, nos manipula, rege o nosso destino. Essa Inteligência pode ser
benigna, e nos ajudar a penetrar num paraíso utópico. E pode ser maligna, e nos
mergulhar num inferno de auto-destruição.
Digo “paraíso” e “inferno” propositalmente, porque a
maior parte das pessoas visualiza a super Inteligência Artificial em termos
religiosos, em termos de um deus ou um demônio. Uma criatura com personalidade.
Um ser auto-consciente, capaz de sentimentos semelhantes aos sentimentos
humanos, e consciente de nossa presença.
Eu penso que o que estamos criando não se assemelha a um
ser autoconsciente e inteligente. Assemelha-se mais a um conjunto de seres
autônomos, mas ligados uns aos outros por laços semelhantes aos da simbiose –
que é quando dois seres diferentíssimos se acoplam, cada um extraindo e
retribuindo benefícios dessa ligação.
A Inteligência Artificial que estamos criando não se
assemelha, arquitetonicamente, à Pirâmide de Quéops, uma forma una,
centralizada, harmoniosa, completa. É um pouco como a Catedral de Sevilha, que
foi construída e destruída ao longo de séculos, é cheia de puxadinhos e de anexos
em estilos diferentes – mas funciona.
Ela não tem objetivos, a não ser os objetivos míopes e
imediatos de cada setor. Enquanto estes setores não entrarem em choque,
funcionarão, mesmo com bugs e surtos de precariedade.
Uma metáfora frequente para a Inteligência Artificial que
foge ao controle é a criação de um programa complexo destinado (digamos) ao
plantio de grama. O programa recebe a instrução para plantar grama, e de certo
ponto em diante começa a ordenar a destruição de tudo que esteja atrapalhando o
plantio de grama, inclusive cidades, fábricas, etc.
O programa não é “mau”, ele não quer “dominar a
Humanidade”, etc. É simplesmente um
processo que fugiu ao controle – como naquela sequência do filme Fantasia (1940) de Walt Disney, sobre
música de Paul Dukas, em que Mickey enfeitiça vassouras para conduzirem baldes
de água e daí a pouco elas se multiplicam, produzem um caos absoluto, e ele não mais as comanda. As
vassouras não são malévolas; apenas começaram a se multiplicar por erro de programação.