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A polícia de Shanghai nunca conseguiu desvendar o mistério
do criminoso que a imprensa veio a apelidar (com alguma impropriedade) de
“Cerberus”. Na década de 1930, Shanghai era uma das cidades mais populosas do
planeta, e conhecida (de acordo com um memorialista célebre) como “a Paris do
Oriente, e uma das cidades mais pervertidas do mundo”.
Em 1939, durante a invasão japonesa que subjugou a cidade, um
pacote foi descoberto nos degraus de entrada da Prefeitura. Aberto, revelou
três cabeças de cão, decepadas a faca, e amarradas umas às outras com arame
farpado. O pacote macabro foi interpretado como uma ameaça às autoridades
locais. Duas semanas depois, outro pacote idêntico foi descoberto junto à
piscina de um clube para oficiais, no resort de Tsingtao, uma praia ao norte da
cidade, ex-base naval alemã. Nenhum bilhete, nenhum indício de quem era o autor
ou qual a finalidade daquele presente brutal.
Outros pacotes ou caixas, sempre com três cabeças, surgiram em
locais associados à elite européia e americana: na porta do exclusivo Shanghai
Race Club (o hipódromo frequentado pela classe endinheirada), da Cathedral
School (escola para meninos), etc. A imprensa passou a anunciar as novas
descobertas (foram oito no total, entre janeiro e outubro daquele ano) como
“Cerberus manda novo recado”. Os corpos dos cães sacrificados nunca foram
descobertos, o que não era de surpreender, numa cidade cujos rios arrastavam o
tempo inteiro cadáveres de soldados. As entregas pararam bruscamente, e
especula-se que o autor ou autores possam ter morrido nas escaramuças diárias
entre japoneses invasores, chineses invadidos e militares do Ocidente.
2
Permanece insolúvel o mistério dos envenenamentos em série
ocorridos em 2003-2004 em restaurantes de Nápoles, Salerno e Pescara. Tudo
começou com um pico inesperado e inexplicável de mortes, em diferentes pontos
das cidades, de pessoas de todas as classes sociais, tendo como único fator em
comum o envenenamento por cianeto de potássio. Cruzamento de informações pela
polícia revelou que todos haviam se alimentado com comida doada ou descartada
por vários restaurantes: eram mendigos, pedintes, parentes ou amigos dos
cozinheiros, que recebiam restos de comida não consumida pelos fregueses, ou
internos em casas de caridade que recebiam doações de comida dos próprios
restaurantes.
A polícia chegou à conclusão de que uma pessoa ou pessoas
desconhecidas, após pedir uma refeição, deixava aparentemente intacta na mesa
uma certa quantidade (lasanhas, bifes, etc.) que envenenava sem ser percebida,
e essa comida era depois repassada para alguém. “Crueldade pura,” desabafou à
imprensa o Comissário Castellani, da polícia napolitana, “porque é impossível
saber quem iria consumir aquilo; um desses casos de maldade sem objetivo certo,
onde a motivação não é ódio nem a vingança, é o puro prazer de fazer o mal”.
A única pista relativamente plausível que chegou às mãos da
polícia foi uma carta enviada a um jornal de Pescara (onde houve quatro mortes
ao longo de dois meses), sem data, sem assinatura, numa caligrafia que os
grafólogos atribuíram a “uma mulher adolescente, de pouca instrução”, alegando
que tinha envenenado as refeições porque sua mãe morrera depois de comer comida
estragada numa pizzaria; mas o remetente nunca foi identificado, e a polícia
atribuiu a missiva a uma pessoa com desequilíbrio mental.
3
A Scotland Yard fez de tudo para deixar em banho-maria o
caso arquivado “em aberrto” sob a alcunha de “The Time Crimes”.
Em agosto de 2013, o notório contrabandista Snatch Florian
foi encontrado apunhalado num quarto de hotel londrino. A polícia examinou a
faca, ainda cravada em seu corpo, e localizou impressões digitais bastante
claras. Houve um momento de perplexidade quando descobriu serem de David Stong,
contabilista de uma quadrilha do West End, morto num acidente dois anos antes.
A investigação deu num beco sem saída até que em abril de 2014,
em Birmingham, apareceu morto o pistoleiro Vic Mulroney, numa casa abandonada
que lhe servia às vezes de esconderijo, e na arma que o matou foram encontradas
impressões de Snatch Florian. A polícia teceu hipóteses, como a de que as duas
armas tinham sido manuseadas pelos bandidos e depois guardadas por alguém para
serem usadas num crime posterior e desviar suspeitas.
Mas em novembro de 2015, em Liverpool, num crime que atraiu
as atenções da imprensa, a cabeleireira Sandra Lindsay apareceu morta a
facadas; descobriu-se que era chantagista; que tinha passagens na polícia; e
que a arma do crime exibia as impressões digitais de Vic Mulroney. Não houve
como esconder do público a evidente (conquanto absurda) relação entre os três
crimes.
Seguiram-se meses de acaloradas polêmicas, marcadas pela
perplexidade dos investigadores diante das aparente improbabilidade do caso,
até que em junho de 2016, em Newcastle-upon-Tyne, o servidor público aposentado
Zachary Hunnan apareceu morto num beco ao lado de um pub em Chinatown, e a polícia rapidamente identificou na arma as
impressões (já esperadas, por alguns) da cabeleireira Lindsay.
A realização do referendo relativo ao “Brexit” fez com que
este último caso fosse pouco divulgado, e a última declaração pública da Yard a
respeito foi do investigador-chefe Westford, que declarou: “Felizmente, o
padrão dos crimes indica que quem tem que se preocupar com isto agora são os
escoceses”.
4
O Ladrão do Vale incomodou e assustou a classe média carioca
nos anos finais da década de 1950. Atuando sempre na Zona Sul do Rio, ele tinha
como alvo principal jóias e obras de arte, geralmente roubadas quando a família
estava viajando.
Seu primeiro caso registrado pela polícia (suspeita-se que
houve mais algum antes, sem que as vítimas prestassem queixa) ocorreu em 1958,
em Copacabana, quando um pequeno quadro de Portinari, bastante valioso, foi
roubado da mansão Costa Miranda, na rua Toneleros, e a família achou em seu
lugar uma folha de papel pregada na parede com os dizeres: Vale um Portinari.
Um mês depois, também em Copacabana, no apartamento da viúva
Dóris Lencastre, um colar de rubis e ametistas, do tempo do Império, sumiu de
seu cofre, mas foi encontrado um papel com as palavras Vale o Colar da Marquesa de Santos. Investigações subsequentes
provaram que essa informação estava correta, sendo que nem a dona do colar
conhecia essa procedência.
O terceiro caso foi no Leblon, quando sumiu da residência do
general da reserva Soscígenes Oberwald um espelho vitoriano triplo, dobrável,
engastado de pedras preciosas, dando lugar a um bilhete: Vale um espelho triplo com 18 pedras, sendo duas falsas.
Ao todo, foram oito furtos num espaço de dois anos, sempre
na Zona Sul, e sempre sem deixar pistas além de um “vale”, uma janela forçada,
um vidro quebrado, pequenos detalhes que a nada conduziram. O mercado de
leilões e o mercado negro de objetos de arte foram vigiados durante muitos anos,
mas nenhuma das peças reapareceu. Os “vales” ficaram em poder da polícia
carioca.