(ilustração de Luís Jardim para "Pirlimpsiquice")
Há pouco tempo, ao preparar uma palestra sobre teatro, lembrei-me de um conto de Guimarães Rosa que é um ótimo ponto de partida para discutir o improviso no teatro e nas artes cênicas em geral.
O palco é o ambiente natural para a Arte do Improviso, seja durante uma cantoria de viola, um show de música ou uma peça de teatro. O Improviso é aquele momento mágico em que o já-ensaiado se abre para o surgimento do não-previsto. E é no palco que Tempo e Espaço convergem para um ponto único onde as presenças simultâneas dos espectadores e dos artistas cria a possibilidade rara de um obra de arte ser fruída por uns no instante exato em que é criada pelos outros.
O conto (“Pirlimpsiquice”, em Primeiras Estórias) é simples. Os alunos de um grupo escolar começam a ensaiar uma peça para apresentar num dia de festa. O narrador, um dos garotos, descreve os ensaios (que são secretos, para não estragar a surpresa), a dedicação de todos, e a inveja que o trabalho deles desperta no resto da turma. Todo mundo quer saber “qual a história da peça”.
Para ajudar a manter o sigilo, os atores começam a inventar uma história inexistente, e a deixá-la vazar para os demais, esperando despistá-los. Ao mesmo tempo, um aluno excluído da peça, o Gamboa, revela que essa versão que circula é falsa: e começa a circular outra, inventada por ele próprio.
No dia, uma série de atropelos faz com que logo na primeira cena da peça dê um branco geral no elenco. Os contratempos imprevistos fazem com que o grupo de atores fique no palco sem saber o que dizer, debaixo de uma vaia ensurdecedora.
Nesse instante um deles pula para a frente e dá início a uma cena que, naquele atordoamento, soa familiar a todos eles; e o elenco inteiro “emburaca” na cena. Somente alguns minutos depois o narrador percebe que, em vez de interpretarem o texto da peça, estão interpretando a história do Gamboa!
Vou parar por aqui, para despertar a curiosidade sem estragar o prazer da leitura. Basta constatar que no conto estão presentes alguns dos elementos mais importantes para a Arte do Improviso.
Primeiro: ninguém improvisa a partir do zero. Os estudantes têm 3 textos-base na memória: a peça original, a falsa-peça criada por eles, e a falsa-peça do Gamboa.
Segundo: o improviso coletivo depende desse conhecimento em comum.
Terceiro: o maior incentivo ao improviso é aquela desesperadora condição de estar diante de uma platéia que espera, e mais que espera, exige que se diga alguma coisa.
O resultado é uma vertigem, uma tontura criativa que posso denominar, pedindo emprestado um termo de Ariano Suassuna, a “oura da folia”, a epifania delirante em que a mente precisa dizer, precisa criar, precisa tapar com palavras, sejam quais fôrem, a “boca hiante do contempto”, aquela expectativa aterrorizante que vemos nos olhos da platéia. Nada estava pronto ou decorado. O jeito é improvisar. E o poeta improvisa.
O palco é o ambiente natural para a Arte do Improviso, seja durante uma cantoria de viola, um show de música ou uma peça de teatro. O Improviso é aquele momento mágico em que o já-ensaiado se abre para o surgimento do não-previsto. E é no palco que Tempo e Espaço convergem para um ponto único onde as presenças simultâneas dos espectadores e dos artistas cria a possibilidade rara de um obra de arte ser fruída por uns no instante exato em que é criada pelos outros.
O conto (“Pirlimpsiquice”, em Primeiras Estórias) é simples. Os alunos de um grupo escolar começam a ensaiar uma peça para apresentar num dia de festa. O narrador, um dos garotos, descreve os ensaios (que são secretos, para não estragar a surpresa), a dedicação de todos, e a inveja que o trabalho deles desperta no resto da turma. Todo mundo quer saber “qual a história da peça”.
Para ajudar a manter o sigilo, os atores começam a inventar uma história inexistente, e a deixá-la vazar para os demais, esperando despistá-los. Ao mesmo tempo, um aluno excluído da peça, o Gamboa, revela que essa versão que circula é falsa: e começa a circular outra, inventada por ele próprio.
No dia, uma série de atropelos faz com que logo na primeira cena da peça dê um branco geral no elenco. Os contratempos imprevistos fazem com que o grupo de atores fique no palco sem saber o que dizer, debaixo de uma vaia ensurdecedora.
Nesse instante um deles pula para a frente e dá início a uma cena que, naquele atordoamento, soa familiar a todos eles; e o elenco inteiro “emburaca” na cena. Somente alguns minutos depois o narrador percebe que, em vez de interpretarem o texto da peça, estão interpretando a história do Gamboa!
Vou parar por aqui, para despertar a curiosidade sem estragar o prazer da leitura. Basta constatar que no conto estão presentes alguns dos elementos mais importantes para a Arte do Improviso.
Primeiro: ninguém improvisa a partir do zero. Os estudantes têm 3 textos-base na memória: a peça original, a falsa-peça criada por eles, e a falsa-peça do Gamboa.
Segundo: o improviso coletivo depende desse conhecimento em comum.
Terceiro: o maior incentivo ao improviso é aquela desesperadora condição de estar diante de uma platéia que espera, e mais que espera, exige que se diga alguma coisa.
O resultado é uma vertigem, uma tontura criativa que posso denominar, pedindo emprestado um termo de Ariano Suassuna, a “oura da folia”, a epifania delirante em que a mente precisa dizer, precisa criar, precisa tapar com palavras, sejam quais fôrem, a “boca hiante do contempto”, aquela expectativa aterrorizante que vemos nos olhos da platéia. Nada estava pronto ou decorado. O jeito é improvisar. E o poeta improvisa.