domingo, 26 de fevereiro de 2012
2803) Filme de computador (26.2.2012)
(o trailer no YouTube)
Como fazemos nossas escolhas estéticas? Muitas delas são escravas de um certo racionalismo, claro. Num romance há de existir um mínimo de continuidade entre o que escrevemos até agora e o que vamos escrever imediatamente em seguida. Mas digamos que o coleguinha está tentando editar um videoclip com a ajuda de um banco de imagens. Quais são os critérios? Cor... textura... movimento... Coisas assim; além do sentido “literário” das imagens. Algo por aí.
Pois bem, “seus problemas acabaram”. Eve Sussman criou um projeto experimental chamado “whiteonwhite:algorithmicnoir”, que utiliza um computador, 3 mil videoclips, 80 narrações de voz e 150 trechos musicais. Quando o programa roda, ele vai examinando esse material e selecionando áudio e vídeo de acordo com seus próprios critérios (projetados por seres humanos, é óbvio). Cada clip tem “tags” ou referências que filtram o material inteiro e limitam as escolhas da próxima imagem – se uma imagem tem por exemplo a tag “Branco”, ele concentra sua escolha nas imagens com a mesma “tag”, e em seguida reinicia o processo. A música e a narração são montadas por processos semelhantes. No festival Sundance, onde o projeto foi testado, a audiência tinha a opção de olhar dois monitores, sendo que um deles reproduzia o processo “interno” de escolha e o outro mostrava a edição final, a sequência de imagens escolhidas.
Puristas e luditas se erguerão em defesa da criatividade humana, da emoção humana, etc. e tal, e parecem esquecer que grande parte do nossso trabalho é feito exatamente assim. O que talvez nos diferencie do projeto de Sussmann seja apenas a extensão do arquivo, porque um diretor de filme deve ter em sua memória (consciente e inconsciente) algumas dezenas de milhões de imagens codificadas por algumas centenas de milhares de “tags” que lhe sugerem o que escolher em seguida.
E não só no cinema. Pensem na poesia menos descritiva, menos racionalista. Pensem em Jorge de Lima e sua Invenção de Orfeu: “De manhã estrelas verdes / na inocência do ar coleado, / intranqüilas e veementes. / Ao zênite e areia em sede, / asas das hastes pendidas, / as nuvens-castelas altas / como painas amealhadas”... Que processo determina essas escolhas verbais, escolhas que nenhuma imposição racional nos obriga a fazer? Por que estas palavras, e não outras? Talvez os computadores, corretamente utilizados, possam nos trazer um novo tipo de surrealismo, tão legítimo quanto o de Jorge de Lima e de Benjamin Péret, que possa ser aplicado à poesia, ao filme, à música, às modalidades de arte sequenciais e não-narrativas. A tecnologia a serviço da intuição e do acaso.
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