Tem livro que eu tenho tanta vontade de ler que toda vez que eu vejo uma edição nova eu compro e boto na estante; aumenta as minhas chances de conseguir ler algum dia. Tem livro que você compra no lançamento, pega o autógrafo do autor, mas quando começa a ler pensa que era melhor ter trazido para autografar um exemplar do livro que você mais gosta. Tem livro que começa de um jeito mas a certa altura já virou uma história tão diferente que você imagina como pensaria no livro se tivesse desistido da leitura antes de presenciar daquela reviravolta. Tem livro que você sabe que já leu: vê os riscos e as anotações feitos por sua própria mão, mas não recorda uma só daquelas frases que sublinhou. Tem livro que tem história legal, o projeto gráfico é legal, mas botaram o desafortunado do texto numa fonte que tanto tinha de elegante quanto de ilegível.
Tem livro “cult” que a gente espera trinta anos até ver um
exemplar; compra, leva, e não lê, porque sem ter lido já sabe de cor. Tem livro tão grosso que a gente começa a
pensar: “Isso é um livro pra ler pelo resto da vida”, e o tamanho do volume nos
dá uma ilusão de longevidade. Tem livro que cada vez que é relido pode ser cada
vez mais subdividido em interpretações. Tem livro que você compra esbagaçado,
retalhado, mutilado, e leva pra casa e cuida, você cuida daquele exemplar como
cuidaria de um cachorro faminto e doente, se gostasse de cachorros.
Tem livro com ingredientes que a gente gosta, é de um autor
que a gente aprecia, mas a gente nunca consegue passar da página dez. Tem livro
que eu li pela primeira vez em edições defeituosas, com “cadernos” trocados, o
que equivale a trocar os rolos de um filme de celulóide no cinema, e só li a
história direito vinte anos depois. Tem
livro que é como uma música que a gente está ouvindo, livro que é como uma
história que está acontecendo, que é como um jogo, um quebra-cabeças, tem livro
que é como se fosse uma carta de uma pessoa desconhecida que conhece você
bastante bem.