(Pierre-Jules Hetzel e Jules Verne )
Um livro recente de William Butcher (Jules Verne inédit: les
manuscrits déchiffrés, Lyon, ENS, 2015) mostra o resultado de anos de pesquisa
nos manuscritos de Jules Verne. Na segunda metade do século 19 Verne foi o
autor mais popular da França e um dos mais populares do mundo. Ao conhecer o
editor Jules Hetzel, sua carreira tomou um rumo definitivo. Juntos os dois
conceberam uma série de livros, sob o título geral de “Viagens
Extraordinárias”, em que romances de aventuras serviriam de pretexto para
passar informações científicas para leitores jovens, num momento histórico em
que a política, a economia e a ciência trabalhavam em conjunto para expandir
mundo afora o domínio europeu. A relação Verne/Hetzel é sempre citada quando se
fala de projetos editoriais a quatro mãos; e o editor francês teve um papel
importante no desenvolvimento do “romance científico” de sua época, tal como
Hugo Gernsback e John W. Campbell teriam no meio século seguinte, na pulp
fiction dos EUA.
O estudo de Butcher parece confirmar algo que vem sendo discutido
há anos: Hetzel interferiu com mão pesada na escrita de Verne, forçando o autor
a dirigir-se a um público pequeno-burguês, doméstico, adolescente, dando ênfase
nos livros ao aspecto educativo e de formação do caráter, e extirpando tudo que
pudesse ser polêmico ou desagradável. A prova mais evidente disso é sua recusa
em publicar o distópico e sombrio Paris no Século XX, que Verne lhe
apresentou em 1863 e guardou no cofre após a recusa. (O livro só foi publicado
em 1994.)
Uma resenha de Nicolas Bareit (aqui: http://lectures.revues.org/17836)
comenta os cortes promovidos por Hetzel em longos trechos e capítulos inteiros
dos manuscritos que Verne lhe apresentava. Com 138 reproduções de páginas
manuscritas, desenhos, esquemas, resumos, etc., o livro mostra o processo de
trabalho do autor e permite comparar seu primeiro texto com o texto final
publicado.