quinta-feira, 11 de março de 2010
1778) Os títulos mais estranhos (20.11.2008)
Entre as coisas inúteis que coleciono estão os livros com títulos excêntricos. Alguns são excêntricos porque são criativos, e pertencem a obras literárias notáveis.
Exemplos que me ocorrem ao acaso são O acrobata pede desculpas e cai de Fausto Wolff, Que pequena bicicleta de guidom cromado no fundo do corredor? de Georges Perec ou Será que os andróides sonham com carneiros elétricos? de Philip K. Dick.
Mas alguns são excêntricos porque seus próprios autores são fora-de-esquadro.
Vai daí que algum tempo atrás descobri a existência de um prêmio, o “Diagram Prize for Oddest Book Title of the Year”. O prêmio existe há 30 anos, e para celebrar a data foi publicada uma antologia de concorrentes e vencedores, sob o título (extraído de um dos premiados) de Como Evitar Grandes Navios.
O livro reproduz em fac-símile as capas dos concorrentes. Quem quiser saber mais dê um pulo aqui:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Diagram_Prize_for_Oddest_Title_of_the_Year
Como diz o organizador, Philip Stone, “existe um alegre fascínio na fascinação do próprio público por algo que seja único e excêntrico”. Horace Bent, o curador do prêmio, recorda com carinho o primeiro livro a ser premiado: Atas da Segunda Oficina Internacional sobre Ratos Nus.
Muitos títulos malucos acontecem porque seus autores (às vezes de mentalidade excessivamente técnica) estão tão concentrados no próprio livro que esquecem o mundo em volta. Não se apercebem das nuances ou dos duplos sentidos que eles venham a apresentar. É o caso de Estruturas Rígidas de Alto Desempenho (vencedor em 2000).
Títulos malucos podem corresponder a assuntos fora do comum, a mau gosto, a irrelevâncias, a expressão defeituosa.
Na edição mais recente do prêmio, três concorrentes se afunilaram na reta de chegada: Problemas de Queijo Resolvidos e Eu fui Torturado por uma Rainha do Amor Pigméia acabaram sendo derrotados por Se Você Quer Encerrar Sua Relação, Comece Fechando Suas Pernas.
O histórico dos últimos trinta anos nos presenteia algumas jóias como:
A Alegria das Galinhas
A Madame como Empresária: Administração de Carreira em Casas de Prostituição
O Livro da Marmelada: seus Antecedentes, sua História e seu Papel no Mundo de Hoje
Assuntos médicos ou psicológicos geram coisas surpreendentes como Manual de Segurança para o Sadomasoquismo Lésbico ou Sadismo Oral e a Personalidade Vegetariana. Ao passo que a auto-ajuda se expande rumo a novos horizontes em:
A Arte de Rolar no Sentido do Comprimento
Aumento Natural do Busto: Como Aumentar os Outros 90% de sua Mente para Aumentar o Tamanho dos Seus Seios
Pessoas Que Não Sabem Que Estão Mortas: Como Elas se Agarram a Transeuntes Desprevenidos, e o que Fazer a Respeito Delas
Como Defecar no Mato: Abordagem Ambientalista de uma Arte em Extinção.
Enfim, amigos – mesmo depois de terminado o livro, as possibilidades, como sempre, são infinitas.
1777) O jeito certo de fazer (19.11.2008)
Muitos comportamentos se fixam por motivos aleatórios, sem relação com seu objetivo. Uma combinação casual de circunstâncias parece exigir que eles ocorram de uma maneira específica e não de outra. Ninguém se dá o trabalho de questionar esse fato, e com isto cria-se um ritual desnecessário, uma tradição com raízes no ar. Já referi aqui alguns procedimentos da ciência antiga que se mantinham em uso mesmo depois de desaparecidas, há muito, as circunstâncias que lhes deram origem (em “Os rituais da ciência”, 16.12.2006).
Num artigo recente na revista Edge, diz Richard Thaler: “Na primeira vez em que andei no metrô de Paris, recebi um daqueles tickets que a gente enfia na ranhura e eles saem do lado oposto. O bilhete tinha uma fita magnética de um lado, e coisas escritas do outro. Eu não sabia em que posição colocá-lo; coloquei com a parte magnética para cima, e funcionou. Passei os 25 anos seguintes repetindo este procedimento com todo cuidado. Tempos depois eu estava passeando em Paris com amigos e fui ensinar-lhes como colocar o bilhete. Minha mulher começou a rir e disse: ‘Não faz diferença de que jeito você coloque, ele funciona de ambas as formas’”.
O episódio me pareceu engraçado porque foi exatamente o que aconteceu comigo no metrô do Rio (embora meu equívoco parcial tenha durado apenas um ou dois meses até que me alertassem). Mas Thaler vai mais adiante e compara esse procedimento do metrô (que aceita o bilhete em qualquer posição) com o que ocorre nos estacionamentos de Chicago. O motorista, ao sair, precisa enfiar seu cartão de crédito numa ranhura para pagar. Há quatro posições possíveis: para cima, para baixo, do lado esquerdo e do lado direito. Somente uma única combinação entre essas posições funciona. Há um painel com instruções, mas elas também não são muito claras, e o resultado é que sempre se forma uma fila enorme atrás de um pobre coitado que não consegue acertar com a maneira correta de inserir o cartão.
Para piorar as coisas, quando o cartão é colocado da maneira errada o mecanismo simplesmente o devolve, mas sem dizer qual foi o erro. O motorista não sabe se foi a posição, ou se aquela marca de cartão que não é aceita, ou se é seu cartão que está com algum problema... Tenta de novo, erra de novo. Pensa um pouco; tenta outra coisa; erra; e a fila de carros atrás dele vai aumentando. Thaler comenta que na garagem do teatro da Sinfônica de Chicago eles designam um funcionário para ficar do lado da máquina e colocar os cartões na posição correta. E conclui: “É óbvio que seria possível construir uma máquina que, como a do metrô de Paris, lesse o cartão em qualquer posição. Seria um pouco mais cara, mas não seria necessário pagar um funcionário para ensinar as pessoas como colocar o cartão na posição certa”. São duas tendências da tecnologia: adaptar a máquina ao usuário, ou o usuário à máquina. Fico pensando qual das duas terá se firmado daqui a cinquenta anos.
1776) O escritor Barack Obama (18.11.2008)
O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, virou de uma hora para outra uma espécie de Papai Noel ao contrário. É magro, mulato e de terno preto, mas mesmo assim parece desembarcar no mundo, neste fim-de-ano, trazendo um gigantesco saco de presentes que ainda não imaginamos o que sejam, mas já nos levam a comemorar alguma coisa. Obama pode se revelar um presidente decepcionante, como já ocorreu com tantos, mas a aura que cerca sua candidatura é a do carisma. Para ficar apenas no exemplo dos EUA, não me lembro de nenhum candidato democrata recente que tenha carregado tamanha aura consigo. Os derrotados John Kerry, Michael Dukakis, Al Gore, e mesmo o vitorioso Bill Clinton, nenhum deles parecia ter esse brilho de predestinação e sonho-realizado que Obama projeta.
Além de tudo, Obama é escritor! O ex-vice Al Gore foi provavelmente o primeiro Presidente dos EUA (cargo que exerceu interinamente de vez em quando, na era Clinton) que já ganhou um Oscar e um Prêmio Nobel (da Paz). Pois Obama é com certeza o primeiro que já ganhou um Grammy – pela versão em áudio-book de seu livro de memórias Dreams of my Father. Este livro (já traduzido como “A Origem dos meus Sonhos”, Editora Gente) é interessante porque é anterior à entrada de Obama na política. Ele o escreveu quando era um advogado de Chicago que trabalhava com populações carentes, e lhe pediram um relato autobiográfico. O livro, ao que parece, se concentra na sua infância no Havaí, e na história pessoal de seu pai, o qual se separou de sua mãe quando Barack tinha cerca de 2 anos, e voltou para o Quênia. O livro reconstitui esta história familiar, e foi motivado em parte pelo reencontro dos dois quando Barack tinha dez anos de idade, além de uma visita posterior que fez ao Quênia para conhecer sua família paterna.
Sobre seus hábitos como escritor, o presidente diz; “Eu sou uma ave noturna, e escrevo geralmente depois do meu dia de trabalho no Senado, quando a família já foi dormir. Ou seja, das 9:30 da noite até uma da madrugada. Primeiro preparo uma escaleta, uma relação de temas a serem abordados, ou de histórias que quero contar, e escrevo tudo à mão, num bloco de folhas amarelas. Depois, passo a limpo no computador, editando e corrigindo o texto enquanto digito”.
Obama cita entre seus livros preferidos Moby Dick de Melville, e obras de autores contemporâneos como Toni Morrison, E. L.Doctorow e Philip Roth. Outros títulos que ele elogia (e que desconheço) são Gilead de Marilynne Robinson e Team of Rivals de Doris Kearns Goodwin (sobre Abraham Lincoln). Seus filmes favoritos são Casablanca e Um estranho no ninho. Além disso, Obama confessa “ter uma queda” pelos romances de espionagem de John Le Carré, coleciona gibis do Homem Aranha e de Conan, O Bárbaro, e leu com suas filhas toda a série de livros de Harry Potter. Nem precisava o resto; bastaria este último item para fazê-lo dar uma goleada intelectual em George W. Bush.
1775) O acorde de George Harrison (16.11.2008)
Um mito cultural é algo que, não importa quantas vezes tenha sido analisado e explicado, sempre haverá alguém disposto a produzir uma nova análise e uma novíssima explicação. Veja-se por exemplo o sorriso da Mona Lisa, o monolito de 2001, uma Odisséia no Espaço, o “Barco Ébrio” de Arthur Rimbaud. Acha que já sabe tudo sobre isto? Pois aguarde, e semana que vem aparece uma teoria nova.
A obra dos Beatles parece produzir este tipo de comichão intelectual numa porção de desocupados como eu, sempre dispostos a descobrir uma sutileza nova. A mais recente é a do Dr. Jason Brown, do Departamento de Matemática e Estatística de Dalhousie. Seu objetivo de pesquisa não é um disco como o lendário Sgt. Pepper’s, não é uma canção como “Penny Lane”, não é nem sequer um verso clássico como “I am he, as you are he, as you are me, and we are all together”. É um simples acorde – o famoso acorde inicial da canção “A hard day’s night”, o qual, segundo o autor de uma matéria no Science Daily, é capaz de “produzir uma resposta pavloviana nos fãs dos Beatles”, fazendo-os entrar de imediato nos versos de abertura: “It’s been a hard day’s night, and I’ve been working like a dog...”
O Dr. Brown também trabalhou como um cão para decifrar o acorde que, reza a lenda, foi feito por George Harrison usando sua guitarra Rickenbacker de doze cordas. É um acorde caprichado, sem dúvida, com uma leve dissonância que o torna inconfundível. Se no saguão de um aeroporto ou num auditório repleto esse acorde for reproduzido, ele sozinho, sem aviso prévio, nas caixas de sons, algumas dezenas de senhores grisalhos terão um leve sobressalto e cantarolarão, em diferentes graus de emissão vocal: “It’s been a haard... daaaaays... niiiight...”
Para mim, a composição do acorde nunca teve muito mistério. Eu toco a música em Sol Maior, e o acorde inicial é simplesmente um Ré com Sétima (ou, na nomenclatura do velho método de violão de Paraguassu, onde aprendi, uma “segunda com preparação”), acrescido de um detalhezinho sutil: em vez de ser composto (nas quatro cordas de baixo do violão, no sentido descendente) pelas notas Ré, Lá, Dó e Sol-bemol, esta última nota é trocada por Sol simples. Este é o detalhe crucial. Não sei como os músicos de verdade classificam isto. Em Revolution in the Head, Ian MacDonald descreve o acorde como “G eleventh suspended fourth”, que para mim é grego.
A descoberta recente do Dr. Brown foi feita através da decomposição do som em suas frequência sonoras e análise em separado, o que o levou à conclusão de que o piano de George Martin soou em uníssono, produzindo uma nota que seria impossível de obter apenas com a guitarra de Harrison. MacDonald diz que este acorde abriu (e o acorde final de piano em “A Day In The Life” fechou), o período de maior criatividade do grupo, entre os anos de 1964 e 1967. Uma mina de diamantes onde a todo instante tem alguém descobrindo um brilho novo.
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