Em Arsène Lupin, Ladrão de Casaca, a primeira coletânea de
contos do gentleman-assaltante-detetive criado por Maurice Leblanc, grande
sucesso do romance policial entre 1905-1935, há um conto em que o mistério
repousa numa fórmula antiga, preservada através das gerações.
Convidados importantes estão no castelo de Georges Devanne,
admirando “as incomparáveis riquezas acumuladas através dos séculos pelos
senhores de Thibermesnil.” Numa das torres, Devanne mostra a todos o frontão da
estante, onde o nome do castelo está soletrado com sólidas letras de ouro.
Vou omitir a aventura, subsequente, porque me interessa a
frase da fórmula antiga. Ela diz, no original francês: “La hache tournoie dans
l’air qui frémit, mais l’aile s’ouvre, et l’on va jusqu’à Dieu.” Mais ou menos: “O machado gira no ar que
treme, mas a asa se abre e vai-se até Deus.”
Durante séculos essa indicação do tesouro da família passou de geração
em geração, transmitida com fervor por pessoas que já as receberam de quem não
as compreendia. Eram as coordenadas do tesouro. Esperava-se que um dia algum
descendente da família descobrisse o seu sentido.
Arsène Lupin percebe que os objetos citados na frase estão
ali mascarando três letras, porque em francês é muito parecida a pronúncia de
“hache” e H, “air” e R, “aile” e L. Ele
descobre que entre as sólidas letras de ouro por cima do frontão da estante
monumental, dizendo THIBERMESNIL, existem três que são móveis: o H gira e o R
treme e o L se abre. “E vai-se até Deus.”
Executando esses movimentos nas respectivas letras, abre-se a porta
ancestral da passagem secreta, e vai-se até a capela do castelo por um
subterrâneo. (Que Lupin utiliza para saquear as riquezas do castelo, no
primeiro movimento dessa trama.)
O mistério vinha pelo menos desde o reinado de Henri IV
(morto em 1610). A pessoa que cifrou a senha de abertura do mecanismo usou
premeditadamente letras cujos nomes, ditos em voz alta, evocavam substantivos
variados: machado, ar, asa. Era fácil construir uma estrutura memorizável em
torno desses três substantivos, sem dar a entender que eles estavam ali apenas
para representar três letras.