Quando a
Jovem Guarda tomou conta do Brasil de 1965 em diante (mais ou menos), e Roberto
Carlos fazia estremecer a Tradicional Família Brasileira berrando seu slogan
punk-satânico “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”, a Igreja Católica começou a
constatar uma enorme evasão dos jovens, que antes eram obrigados pelos pais a
assistir a missa todo domingo. A missa estava agora às moscas, porque a galera
só queria saber dos carangos, das garotas papo-firme, das botinhas sem meia. Deve
ter havido algum serão no Vaticano, e eles tomaram uma sábia decisão: toda
missa agora teria um conjunto de iê-iê-iê (o termo “banda de rock” não existia
ainda) tocando as músicas do momento, para atrair os jovens de volta. Dito e
feito. Os jovens afluíam à catedral para ver os conjuntos; mas assim que o
conjunto parava de tocar ia todo mundo embora e o padre ficava pregando no
deserto.
Me lembro
disso quando vejo o mercado editorial discutindo certas vantagens do livro
eletrônico, principalmente quando se fala no livro eletrônico infantil. A
vantagem do livro eletrônico, por exemplo, é que além das ilustrações coloridas
ele tem ilustrações animadas e sonoras. Não mostra apenas um patinho
cor-de-laranja na lagoa azul: o patinho consegue nadar de um lado para o outro,
a água se espalha em ondas, e apertando um botão ouve-se o “quac, quac”
inconfundível. E assim por diante.
Minha
questão: o uso de animações, sons, imagens em movimento nos livros infantis não
iria justamente afastá-los do mais importante, o hábito de ler um texto? Quando os padres católicos começaram a
chamar os conjuntos de Jovem Guarda queriam atrair os jovens para ver a missa,
mas de nada adiantou – os jovens só se interessavam pela Jovem Guarda que eles
ofereciam. No caso dos livros, a infância é um momento crucial para a criança,
em fase de alfabetização, descobrir o prazer de ler o texto, de sair soletrando
letrinha por letrinha, formando o som das palavras e evocando através delas as
idéias correspondentes. Um livro de literatura deve privilegiar o texto, não o
resto.