quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
2457) As telenovelas de Woody Allen (19.1.2011)
Em cartaz na Paraíba, Você vai conhecer o homem dos seus sonhos, de Woody Allen, é uma espécie de novela da Globo, comprimida em uma hora e meia e falada em outra língua. O filme se passa em Londres mas só percebi isso quando vi o volante do automóvel no lugar errado; para mim, era a mesma Nova York de sempre, os mesmos casais-em-crise de sempre, os mesmos artistas frustrados, os mesmos cinquentões neuróticos. Não tenho visto seus filmes mais recentes, mas Woody Allen parece ter cristalizado um estilo em que cada filme parece se passar no quarteirão vizinho ao dos filmes anteriores.
Aqui estão de volta alguns personagens clichê de Allen: o ricaço de meia-idade que larga a esposa idosa por uma sirigaita que o trai com meio mundo; o escritor que nunca escreve, limita-se a queixar-se em voz alta do desinteresse dos editores e dos críticos; a mulher que recorre a cartomantes para ouvir coisas que lhe fazem bem; o marido jovem e ocioso que trai a mulher com quem quer que apareça à sua frente. São personagens e situações clichê, e por isto mesmo dependem do charme do ator ou atriz que os interpreta. Os melhores neste caso são Gemma Jones (a velhota que acredita no astral), Lucy Punch (a garota-de-programa vulgar e desengonçada), Naomi Watts (a secretária de Antonio Banderas), Josh Brolin (o escritor-marido cafajeste). Allen parece um diretor de óperas montando pela vigésima vez Aida ou Turandot pelo prazer de ver novos atores em velhos papéis.
Falei em novela; a vantagem de fazer cinema, como no caso de Allen, é o fato de poder comprimir os oito meses de uma novela em uma hora e meia de projeção. Se este filme fosse uma novela da Globo veríamos Banderas e Watts visitando vinte artistas plásticos e dizendo as mesmas coisas a cada um deles; veríamos todos os preparativos do casamento de Allan e Dia até seu cancelamento na véspera; veríamos 150 cenas de Anthony Hopkins sendo traído pela despilotada com quem casou. Um filme de hora e meia permite ao diretor resumir isso em meia dúzia de cenas, e dar a cada uma um quê de surpresa ou de reviravolta, antes que seu interesse se esgote.
O filme é mais divertido pelas situações do que pelos diálogos. Se o víssemos sem saber de quem era poderíamos pensar que era de um imitador de Allen (pois se trata de uma imitação, só que feita pelo próprio autor dos originais), porque desta vez há raros diálogos que valem como piada autônoma, piadas-de-uma-linha, frases devastadoras. As falas de Gemma Jones (“Cristal me disse que eu fui uma aristocrata numa vida passada...”) não são engraçadas em si, não são piadas; rimos porque nos parecem patéticas e estranhamente próximas de nós, e isto não se deve ao dialoguista, e sim à atriz. A crítica vive a cobrar de Woody Allen, aos 75 anos, uma nova obra-prima. Se ele fizesse um artesanatozinho como este todo ano eu me dava por satisfeito
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