O poeta Arthur Rimbaud escreveu em 1871 a Paul Demeny uma carta que tornou-se famosa como a “Carta do Vidente”, em que ele diz:
“É preciso ser um vidente, tornar-se um vidente. O Poeta se faz vidente através de um longo, imenso e pesquisado desregramento de todos os sentidos”.
Há toda uma escola de poesia baseada em imagens visuais, geradas através da concentração mental, da anulação dos estímulos exteriores (através do silêncio, escuridão, etc.) e uma cuidadosa evocação proposital de imagens aleatórias, a um ponto em que tais imagens começam a ser substituídas por imagens nas quais não tínhamos pensado, e que não sabemos de onde vêm. (Vêm do que chamamos de Inconsciente, claro.)
Daí que o poeta escreve, em Uma Estação no Inferno:
“Habituei-me às alucinações simples: via sem esforço uma mesquita em lugar de uma fábrica, uma escola de tambores formada só por anjos, diligências a rodar nas estradas do céu, um salão no fundo de um lago”.
A poesia visual é um cinema feito de texto, baseado no extremo poder evocativo da palavra como deflagrador de sensações visuais, táteis, auditivas. Um bom exemplo no próprio Rimbaud é o famoso soneto em que ele atribui cores às vogais: A negro, E branco, I vermelho, U verde, O azul (por alguma razão ele inverte a ordem destas últimas), associando-as a imagens visuais muito intensas.
Rimbaud chamou um dos seus livros Les Illuminations, título que sugere por um lado a iluminação mística, a revelação súbita de uma verdade oculta, e por outro as iluminuras, as ilustrações coloridas dos livros medievais.
O Simbolismo poético é por muitas razões um Imagismo, uma tendência ao registro de impressões visuais inexplicáveis que parecem tomar de assalto o poeta e que ele registra com a estupefação de quem testemunha um fenômeno da natureza, algo que não lhe diz respeito e que lhe cabe apenas assistir e anotar.
Daí que exista uma filiação de espírito entre o Simbolismo e o Surrealismo, porque o segundo é uma radicalização semi-científica de certos processos intuitivos do primeiro. O Surrealismo no conto ou no romance é inferior ao da poesia, porque se nesta última a imagética surrealista explode com toda força, na prosa ela se estilhaça em pequenos efeitos pela ausência de narrativa.
Daí que um dos melhores caminhos encontrados para o Surrealismo narrativo seja o de Luís Buñuel: unir o melodrama e o folhetim às imagens surrealistas, que neutralizam a tendência desses gêneros à repetição e ao clichê.
Daí que em nossa época a pulp fiction e as graphic novels sejam um terreno fértil para se plantar o Surrealismo, que as enriquece do ponto de vista de imagens, e em troca se beneficia de sua alta voltagem narrativa.
O Surrealismo continua sendo a melhor vacina contra o clichê, principalmente em gêneros cuja vitalidade de enredo tem no lugar-comum seu ponto mais fraco. Existe uma linha evolutiva ligando Rimbaud, Fantomas, André Breton, Buñuel, David Lynch, Jodorowski e Moebius.