Guimarães Rosa estreou com Sagarana (1946), um volume de contos longos, ou noveletas, um tipo
de narrativa onde ele parecia sentir-se totalmente à vontade. Nesse formato, ele
não se limitava a contar a estória principal. Divertia-se em incrustar pequenos
episódios que não tinham nada a ver com o enredo em si mas tinham tudo a ver
com a Estória maior sendo contada. Inseria seus impagáveis personagens
secundários, aqueles que surgem, brilham por uma ou duas páginas e desaparecem
para sempre...
Ele começou assim, como um escritor de peripécias largas,
e de arcos narrativos amplos que se estendiam por dezenas de páginas.
Seu segundo livro, Corpo
de Baile (1956), ampliou essa tendência.
Só para comparar: a quarta edição de Sagarana tem nove contos em 365 páginas, o que dá uma média de 40
páginas por estória.
A segunda edição de Corpo
de Baile, de 1958 (a única em que todos os sete contos estão reunidos num
volume só) tem 515 páginas, o que dá uma média de 73 páginas por conto.
O autor estava estendendo-se cada vez mais, como prova o
tijolaço que foi o romance Grande Sertão:
Veredas (1956), uma única narrativa em 574 páginas (na segunda edição, a
que possuo).
Depois disso, começou a encolher: seu livro seguinte, Primeiras Estórias (1962), tem 21
estórias em 176 páginas, média de oito páginas por conto.
E seu livro final (excluindo os póstumos), Tutaméia (1967) tem 44 textos (40 contos
e 4 prefácios) distribuídos por 192 páginas, numa média de quatro páginas por
texto.
É um movimento bastante nítido de narrativas que começam com grande extensão, vão se ampliando... E depois recuam, pressionadas
pelas marés da vida, reduzem-se e se concentram em contos compactos,
concentradíssimos, que alguns críticos mais impacientes consideram quase
ilegíveis.
Os dois últimos volumes de contos que Rosa publicou em
vida têm uma origem completamente diversas das de Sagarana e Corpo de Baile,
histórias espichadas pelo autor ao seu bel-fazer, compondo preguiçosamente com
caneta e caderno.
Os contos de Primeiras
Estórias e de Tutaméia tiveram,
praticamente todos, uma primeira edição em periódicos, e foram revisados em
seguida para a publicação em livro. Isso sem dúvida contribuiu para que os
textos de cada volume tivessem entre si aproximadamente a mesma extensão, visto
que apareciam em páginas com espaço predeterminado. Isso é bem mais visível em Tutaméia.
De acordo com a bibliografia organizada por Plínio Doyle
para o precioso volume Em Memória de João
Guimarães Rosa (José Olympio, 1968), os vinte e um contos de Primeiras Estórias foram selecionados,
em sua maioria, dentre 34 textos publicados pelo autor, semanalmente, no jornal
O Globo, entre 7 de janeiro de 1961 e
26 de agosto do mesmo ano.
Ali saíram, por exemplo, alguns dos contos mais
importantes daquele livro, como “Soroco, sua Mãe, sua Filha” (18-3-1961), “A
Terceira Margem do Rio” (15-4-1961), “Um Moço Muito Branco” (29-7-1961) e assim
por diante. Dos textos não selecionados para Primeiras Estórias, vários acabaram sendo recolhidos no volume
póstumo Ave, Palavra (1970; 2ª.
edição, 1978), organizado por Paulo Rónai.
Algo parecido aconteceu com os textos que foram reunidos
anos depois em Tutaméia. Rosa
colaborou, entre maio de 1965 e julho de 1967, no semanário médico Pulso, editado pelo Laboratórios de
Sidney Ross, no Rio de Janeiro, sob a direção do Dr. Roberto de Souza Coelho.
Eram colunas quinzenais, porque ele, ao que parece, se revezava com Carlos
Drummond: o texto inicial citado por Plínio Doyle nesse segmento intitula-se
“Guimarães Rosa em PULSO, revezando com Drummond” (15.5.1965).
Esse obscuro semanário trouxe a público as primeiras
versões de boa parte do conteúdo de Tutaméia.
Um levantamento cuidadoso da história editorial destes
textos está no texto (disponível na web) “Tutaméia,
a Trajetória da Escrita”, de Sandra Paro, da PUC-GO.
Tutaméia surgiu,
portanto, de um compromisso profissional de colaboração na imprensa, num espaço
provavelmente limitado, que fez com que os contos acabassem tendo mais ou menos
a mesma extensão. Alguns dos textos de Tutaméia
são episódios breves, cuja ação interna dura apenas algumas horas, ou até
minutos; outros são narrativas de uma vida inteira. Tudo comprimido no mesmo
espaço que, naquela década, era provavelmente medido nas tradicionais laudas de
2.100 toques (30 linhas de 70 toques cada).
Por um lado, isto certamente reflete a vida mais
atarefada do Guimarães Rosa pós-1956, envolvido com entrevistas, supervisão de
traduções e de reedições, compromissos literários – para não falar nas suas
atribuições como diplomata, às quais sempre se dedicou com o mesmo zelo que aplicava
ao trabalho literário.
Mostra também a maleabilidade do escritor, que despontou
para o sucesso com contos de 40 páginas e duas décadas depois não se recusava a
atuar dentro da camisa-de-força das quatro páginas. O que levou os textos deste derradeiro volume a um certo preciosismo verbal (ou “maneirismo”, como admitia
Ariano Suassuna, seu amigo e grande admirador).