terça-feira, 19 de março de 2013

3137) Romance e futebol (19.3.2013)




(Nelson Rodrigues)


Um espectro que nunca deixou de assombrar a crítica literária brasileira foi: Por que motivo não existe entre nós uma grande literatura de ficção (romances, contos) voltada para o futebol? Pode-se argumentar que há bons livros sobre o tema (Macedo Miranda, Edilberto Coutinho, etc.), mas é um “corpus” ainda desproporcional em relação à importância que o futebol tem em nosso país. Num post de 2010 em seu blog TodoProsa, Sérgio Rodrigues afirma: “Pois eu tenho uma pista. Nada de elitismo ou falência da arte brasileira. Aposto que o Grande Romance do Futebol Brasileiro está escondido no mesmo limbo em que dormem seus irmãos, os embriões eternos do Grande Romance do Basquete Americano, do Grande Romance da Fórmula 1 Italiana, do Grande Romance do Pingue-Pongue Chinês e do Grande Romance do Curling Escocês”.

Ou seja: é uma falácia esse raciocínio de que se um país é bom num esporte ele deveria ter uma literatura florescente voltada para esse esporte. Não é uma relação assim tão mecânica. No Brasil, o que temos de alto nível é a crônica futebolística, o que me parece lógico. Temos clubes de verdade, craques de verdade, espetáculos épicos de verdade. Quem gosta de futebol, gosta da adrenalina produzida pela disputa esportiva de verdade, entre grandes times. (Ou entre times pequenos, desde que o contexto emocional ou social dê a esse confronto uma dimensão épica qualquer.) E o que cresceu aqui no Brasil foi a literatura de não-ficção em torno desse universo real. Da crônica, que vem desde os irmãos Mário Filho e Nelson Rodrigues até os cronistas mais recentes, não temos do que nos queixar. Nossa crônica tem um alto nível literário.

O problema do romance e do conto talvez seja o mesmo do cinema. Ninguém gosta de ver num filme um jogo de futebol inventado, encenado por atores. A falsidade é evidente. Ninguém se emociona, mesmo quando um atacante dribla cinco e entra com bola e tudo. Qualquer espectador sabe que a jogada foi escrita, ensaiada e dirigida para acontecer daquele jeito, então qual é o mérito? O mérito do futebol é ser imprevisível, improvisado, sujeito a reviravoltas que não são determinadas por uma equipe roteirizadora. Numa história de ficção é dificílimo transmitir essa impressão de imprevisibilidade, de chances totalmente abertas. O futebol é familiar demais aos torcedores para que um jogo claramente escrito e coreografado possa se fazer passar pela coisa de verdade. Até um VT de quaisquer dois times pelos quais o espectador não torce é melhor, porque sabemos que, no momento da gravação, tudo aquilo estava acontecendo de verdade, tudo podia acontecer, e essa é a emoção principal do esporte.