quarta-feira, 29 de maio de 2019

4471) A fórmula do Sitcom (29.5.2019)




("The Big Bang Theory")

A gente às vezes critica um determinado tipo de criação dizendo que ele é formulaico, ou seja, que ali não existe criatividade mesmo, não existe inspiração, existe apenas a aplicação de uma fórmula pré-existente.

Tudo bem, mas deixando isso de lado podemos considerar também que a aplicação de uma fórmula também requer criatividade e inspiração. É como cozinhar. Você vai preparar um “filé ao molho gorgonzola com recheio de legumes flambados ao mel”. No livro tem a receita, ou seja, a fórmula. Basta seguir ao pé da letra o que está escrito? Em princípio sim, mas para o prato ficar bom é preciso que entre no preparo aquela coisa indefinível que a gente chama “a mão da cozinheira” ou “o toque pessoal do chef”. Que é uma forma de criação. Para além da fórmula.

Noah Charney é um escritor e roteirista norte-americano morando na Eslovênia (em 2014), e que recebeu uma encomenda da TV da Croácia para escrever um sitcom. Certamente naqueles países eles pensam que todo francês sabe cozinhar, todo brasileiro toca cuíca e todo norte-americano sabe escrever um sitcom.

“Sitcom” é a abreviatura de “situation comedy”, comédia de situações, aquela série infindável de historietas envolvendo sempre o mesmo grupo de personagens.

Noah sentou o pau a estudar os sitcoms disponíveis e chegou a uma fórmula que, segundo ele, está presente em todos os sitcoms de sucesso. Coloco aqui abaixo o link para o artigo onde ele esmiúça essas coisas com mais detalhes.


Para ele, um episódio de sitcom, qualquer um, tem tipicamente 22 minutos, com um roteiro de 25-40 páginas.

São dois atos curtos, um no começo e outro no fim, e três atos principais, divididos por dois breaks, com 3-5 cenas por ato, e ele os nomeia assim:

1)      A Isca (“The Teaser”) (minutos 1-3)
2)      O Problema (“The Trouble”) (minutos 3-8)
3)      A Embrulhada (“The Muddle”) (minutos 8-13)
4)      O Triunfo/Fracasso (“The Triumph/Failure”) (minutos 13-18)
5)      A Resolução (“The Kicker”) (minutos 19-21)

A parte 1, a Isca, prepara o conflito enquanto faz uma breve reapresentação dos personagens, porque embora o sitcom seja o império do Nada Se Transforma, sempre há novos espectadores que precisam entender quem é quem naquela história, e como se comporta cada um.

A parte 2, o Problema, introduz a aventura daquela noite. Um sitcom bem sucedido é aquele que consegue, durante anos a fio, bolar situações novas, problemas, aventuras, surpresas, que permitam aos personagens exibir seus recursos de esperteza, além de experimentar novos conflitos, etc.

A parte 3, a Embrulhada, vem complicar ainda mais as coisas, e aqui aparece a necessidade de uma sub-trama, uma história B que corre em paralelo com a história A, para que a narrativa possa saltar de uma para outra, o que dá mais dinamismo.

A parte 4, o Triunfo ou Fracasso, mostra como os personagens conseguem ou não conseguem resolver o problema inicial da parte 2 e as embrulhadas surgidas na parte 3.

A parte 5, a Despedida, é um encerramento, uma “coda” musical. O clímax propriamente dito é na parte 4, mas uma narrativa deste tipo não se encerra num clímax: é preciso que haja aquela cenazinha em que, depois que tudo acabou, os personagens se reúnem novamente naquele clima de “ufa, ainda bem”. O diálogo dá informações necessárias à amarração final das pontas soltas, tudo termina com uma piada e imagem congelada, ou então com o prenúncio de um novo episódio.

Isso funciona? Claro que funciona, desde desenhos animados como Os Simpsons até comédias urbanas como Friends ou Seinfeld.

Por mais que dramaturgos mais sofisticados condenem a presença dessas fórmulas repetitivas, usá-las com eficiência nao é nada fácil, justamente porque elas impõem sempre a mesma dinâmica na evolução da ação.

O espectador tem noção disso, e está satisfeito com isso. Quem se “gruda” numa série é porque gosta da fórmula da série, sente-se confortável com ela, quer “um pouco mais daquilo mesmo”. E quer novidades, é claro: novas situações, novos problemas, novos ambientes, novo personagens secundários, novas piadas...

Contanto que a fórmula se mantenha inalterada, e o espectador sinta-se, a cada vez que começa um episódio, dentro de uma zona-de-conforto dramatúrgica onde ele não sabe o que vai acontecer, mas sabe que vai acontecer do mesmo jeito de sempre, um jeito que ele aprendeu a decodificar sem muito esforço.